

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 231 - 242, jan - fev. 2015
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Se o futuro é o presente dos países ocidentais, faz-se necessário,
então, segundo essa concepção, expandi-lo para as localidades não al-
cançadas por ele. Foi assim que, entre o final do século passado e o início
desse século XXI, em nome dos valores tidos por universais dos direitos
humanos modernos, as potências militares do capitalismo intervieram no
conflito da Iugoslávia, atacaram o Iraque, ocuparam o Afeganistão e der-
rubaram o chefe de Estado da Líbia (TODOROV, 2012, p. 56-71), eliminan-
do a vida ou mutilando grandes contingentes de civis inocentes.
O que se vê é que a prevenção e a segurança perduram como pre-
ocupação central dos governos das principais economias dos tempos atu-
ais (TODOROV, 2012, p. 63). A ordem prevalece sobre a solidariedade e a
participação. O pilar da regulação, sobre o pilar da emancipação (SANTOS,
2002, p. 78). A intolerância, sobre a tolerância. Hobbes, sobre Rousseau.
É certo que os direitos humanos positivados ao longo dos séculos
impediram o retorno, nos países do centro do capitalismo, do Estado
absoluto hobbesiano. Todavia, ao final, o
Deus Mortal
do todo-poderoso
Leviatã (HOBBES, 1979, p. 61) prevaleceu, se não nas mãos do Estado,
mas nas mãos do sistema econômico, representado pelo mercado em
constante expansão, ainda que, como defendia Hobbes, em detrimento
das liberdades individuais.
4. A propaganda da intolerância pelos meios de comunicação
Quando se fala do predomínio da regulação vem à lembrança o mo-
nopólio da violência do Estado como recurso à manutenção da segurança.
A ordem, todavia, não é mantida primordialmente pela coerção. No pri-
meiro plano, tem-se a obtenção do
consentimento voluntário
das classes
subalternas à dominação das elites– e, portanto, à intolerância moderna.
Por isso, a importância da noção sociológica de
hegemonia
. Como
anota Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 34), trata-se da “[...] capaci-
dade das classes dominantes em transformarem suas ideias dominantes.
Por via dessa transformação, as classes dominadas acreditam estar a ser
governadas em nome do interesse geral [...].”
A reflexão da sociologia crítica gramsciana é, nesse sentido, escla-
recedora. Lembra Perry Anderson (1981, p. 21-24) que Gramsci parte da
ideia de que o consenso em favor do capital é obtido através da noção de
igualdade jurídica sustentada pela burguesia, a qual permite o acesso do