

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 212 - 220, jan - fev. 2015
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dade subjetiva de reflexão racional, nem o reconhecimento da existência
do Outro enquanto Outro.
Certamente nossa formação social, vinculada a representações
conservadoras, se vale da profusão do medo para impor políticas de
controle social cada vez mais autoritárias e, a partir de práticas totali-
tárias, incapacita os seres humanos de pensar sua responsabilidade nos
atos lesivos cometidos, isto é, conforme definição de Hannah Arendt, é
a banalidade do mal.
Cabe destacar aqui a rica pesquisa realizada por Vera Malaguti
(2003) sobre o Brasil do século XIX, na qual mostra com detalhes que os
medos da população brasileira sempre estiveram vinculados à descarta-
bilidade dos trabalhadores pobres, em especial os negros; contudo, é in-
teressante perceber a ideia de demonização das ações populares desde o
Brasil Imperial.
É grande a ameaça que o jovem negro das camadas mais populares
representa e os exemplos trazidos do século XIX podem ser fielmente
equiparados com a “a guerra contra o terrorismo” ou o discurso do
“aumento da criminalidade”. Conforme Malaguti Batista (2003, p. 30),
a “evangelização era o suporte superestrutural da conquista, através
da pedagogia do pecado, da morte e da culpabilização; era o universo
penitencial que tratava de ser interiorizado individualmente através
da experiência subjetiva”, pois era preciso “um medo desproporcional
à realidade para manter violentas políticas de controle sobre aqueles
setores que estavam potencialmente a ponto de rebelar-se e implantar
a ‘desordem e o caos’”.
Percebe-se, portanto, que nossa sociedade, forjada a partir de um
referencial econômico, de viés neoliberal, travestida pela metáfora do
mercado, induz determinados desejos, diretamente vinculados aos pres-
supostos de realização e expansão do capital, buscará implantar, igual-
mente aos moldes históricos, estratégias de políticas de segurança pú-
blica estatal que contam com um novo modelo de dominação, não mais
exercido pelo autoritarismo, mas pela tentativa de indução das práticas
dos indivíduos (produção dos desejos) e produções de subjetividades, o
que corresponde hoje à busca incontrolada pelo consumo. É exatamente
nestes processos de subjetivação que se pretende o controle social das
massas, porque a procura do consumidor é incessante e, especialmente,
deve-se mantê-los “permanetemente insatisfeitos”.