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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 206 - 211, jan - fev. 2015

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Note-se que o distanciamento em relação à população gerou em se-

tores do Poder Judiciário, mesmo entre aqueles que acreditam na democra-

cia, uma reação que se caracteriza pela tentativa de produzir decisões judi-

ciais que atendam à opinião pública (ou, ao menos, aos anseios externados

através dos meios de comunicação de massa). Tem-se o populista judicial,

isto é, o desejo de agradar ao maior número de pessoas possível através de

decisões judiciais, como forma de democratizar a Justiça aos olhos da po-

pulação, mesmo que para tanto seja necessário afastar direitos e garantias

previstos no ordenamento.

15

Assim, não raro, juízes de todo o Brasil passa-

ram a priorizar a hipótese que interessa à mídia ou ao espetáculo em detri-

mento dos fatos que podem ser reconstruídos através do processo (nesse

particular, a Ação Penal 470 é um exemplo paradigmático).

Na democracia, porém, os direitos fundamentais de todos (culpa-

dos ou inocentes, desejáveis ou odiáveis) devem ser respeitados. A atua-

ção dos magistrados não pode ser pautada pelo desejo das maiorias, sob

pena de inviabilizar o direito das minorias. O Poder Judiciário atua como

garante contra a opressão, inclusive contra abusos promovidos pela maio-

ria, e é, portanto, contramajoritário. Mais do que isso: para assegurar o

direito de um, o Poder Judiciário pode (e deve) julgar em sentido contrário

à vontade de todos os demais

16

. Dito de outra forma: os direitos funda-

mentais funcionam como trunfos contra as maiorias de ocasião e cabe ao

Poder Judiciário assegurar não só esses direitos como também a própria

democracia em sentido substancial.

17 

Em suma, a tradição em que os atores jurídicos estão inseridos, as

práticas autoritárias e conservadoras, e a burocratização são fatores que

fazem com que o Poder Judiciário não conte com a confiança da socieda-

de brasileira. Percebido como uma agência estatal seletiva, voltada so-

mente aos interesses da elite, incapaz de concretizar os direitos da grande

maioria da população, o Judiciário passa por séria crise de legitimidade.

Crise agravada pelo fato de que as tentativas de satisfazer a opinião públi-

15 Na esfera penal, o populismo tem gerado a admissão de provas ilícitas e o afastamento de direitos e garantias

fundamentais dos investigados e acusados com o objetivo de satisfazer os anseios punitivos da mídia.

16 Em se tratando de direitos indisponíveis, na salvaguarda desses, o Poder Judiciário deve julgar inclusive contra a

vontade do próprio titular do direito.

17 Para além da democracia formal, em sentido material a democracia exige a concretização dos direitos fundamen-

tais. Nesse sentido: FERRAJOLI, Luigi.

Derecho y razon.

Trad. Perfecto Andrés Ibáñez

et alli

. Madrid: Trotta, 1998.