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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 206 - 211, jan - fev. 2015

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Para além dessa tendência à conservação da tradição que acompa-

nha o Poder Judiciário desde sua origem, há também o caráter ideológico

do direito burguês

,

a serviço do velamento da facticidade, em especial das

contradições existentes na sociedade. Conforme a crítica marxista ajuda a

compreender

13

, os textos legais, com suas abstrações generalizantes, são

capazes de produzir uma alienação mundana que favorece a manutenção

do

status quo

. Assim, se o texto legal, potencialmente conservador, é um

evento que não pode ser ignorado pelo juiz, intérprete privilegiado que

irá criar a norma para o caso concreto

14

, reforça-se, ainda mais, o caráter

conservador da atuação do Poder Judiciário.

A burocratização, marcada por decisões conservadoras em um con-

texto de desigualdade e insatisfação, e o distanciamento da população

fazem com que o Judiciário seja visto como uma agência seletiva a serviço

daqueles capazes de deter poder e riqueza. Se por um lado, pessoas dota-

das de sensibilidade democrática são incapazes de identificar no Poder Ju-

diciário um instrumento de construção da democracia; por outro, pessoas

que acreditam em posturas fascistas (na crença da força em detrimento

do conhecimento, na negação da diferença, etc.) aplaudem juízes que atu-

am a partir de uma epistemologia autoritária.

Não causa surpresa, portanto, que considerável parcela dos meios

de comunicação de massa, a mesma que propaga discursos de ódio e res-

sentimento, procure construir a representação do “bom juiz” a partir dos

seus preconceitos e de sua visão descomprometida com a democracia.

Não se pode esquecer que “o sistema midiático tem a capacidade de fixar

sentidos e ideologias, o que interfere na formação da opinião pública e na

construção do imaginário social” (Dênis de Moraes). Assim, o “bom juiz”,

construído/vendido por essas empresas de comunicação e percebido por

parcela da população como herói, passa a ser aquele que considera os di-

reitos fundamentais como óbices à eficiência do Estado (ou do mercado).

Para muitos, alguns por ignorância das regras do jogo democrático, outros

por compromisso com posturas autoritárias, o “bom juiz” é justamente

aquele que, ao afastar direitos fundamentais, nega a concepção material

de democracia.

13 BASTOS, Ronaldo.

O conceito do direito em Marx.

Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2012.

14 Adere-se aqui à tese que pugna pela diferença ontológica entre texto e norma, esta sempre o produto da criação

do intérprete. Por todos: STRECK, Lenio Luis.

Verdade e consenso.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.