

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 206 - 211, jan - fev. 2015
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der Judiciário) e as práticas observadas na Justiça brasileira
7
. Em aperta-
da síntese, pode-se apontar que, em razão de uma tradição autoritária,
marcada pelo colonialismo e pela escravidão, na qual o saber jurídico e os
cargos no Poder Judiciário eram utilizados para que os rebentos da classe
dominante (aristocracia) pudessem se impor perante a sociedade
8
, sem
que existisse qualquer forma de controle democrático dessa casta, gerou-
-se um Poder Judiciário marcado por uma ideologia patriarcal e patrimo-
nialista (poder-se-ia dizer até aristocrática), constituída de um conjunto
de valores que se caracteriza por definir lugares sociais e de poder, nos
quais a exclusão do outro (não só no que toca às relações homem-mulher
ou étnicas) e a confusão entre o público e o privado somam-se ao gosto
pela ordem, ao apego às formas e ao conservadorismo.
9
De igual sorte, não se pode desconsiderar que o Poder Judiciário
tornou-se uma
máquina de burocratizar.
10
Esse processo, que se inicia na
seleção e treinamento dos magistrados, pode ser explicado: em parte,
porque assim os juízes dispensam a tarefa de pensar (há nesses juízes
um pouco de Eichmann) e, ao mesmo tempo, ao não contrariar o sistema
(ainda que arcaico), evitam a colisão com a opinião daqueles que podem
definir sua ascensão e promoção na carreira (“comodismo crônico”);
11
em
parte, porque há uma normalização produzida pelo senso comum e in-
ternalizada pelo juiz (“neurose conservadora”),
12
através da qual esse ator
jurídico passa a acreditar no papel de autoridade diferenciada, capaz de
julgar despido de ideologias e valores. Assume, enfim, a postura que o
processo de produção de subjetividades lhe outorgou, o que acaba por
condicioná-lo a adotar posturas conservadoras no exercício de suas fun-
ções com o intuito de preservar a tradição.
7 Segundo Gizlene Neder, tanto a colonização quanto a escravidão ainda condicionam o padrão de estrutura social e
de poder, se manifestando sob a forma de permanências simbólicas que atravessaram várias conjunturas do processo
histórico brasileiro (Nesse sentido: NEDER, Gizlene.
Discurso jurídico e ordem burguesa no Brasil.
Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1995).
8 Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. "Sociedade liberal e tradição no bacharelismo jurídico"
.
In
Direito, Estado, Política
e sociedade em transformação
(Org. BORGES FILHO, Nilson). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 10.
9 GARAPON, Antoine.
O juiz e a democracia: o guardião das promessas.
Trad. Maria Luiza de Carvalho. Rio de
Janeiro. Revan, 1999, p. 61.
10 Nesse sentido: ZAFFARONI, Eugênio Raul.
Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema
penal.
Trad. Vânia Pedrosa e Amir da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 141.
11 Cf. MEDEIROS, Osmar Fernando de.
Devido processo legal e indevido processo penal.
Curitiba: Juruá, p. 239.
12 MEDEIROS, Osmar Fernando de.
Devido processo legal e indevido processo penal.
Curitiba: Juruá, p. 239.