Background Image
Previous Page  207 / 590 Next Page
Basic version Information
Show Menu
Previous Page 207 / 590 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 206 - 211, jan - fev. 2015

207

crescentes demandas, o Poder Judiciário recorre a uma concepção política

pragmática que faz com que ora se utilize de expedientes técnicos para des-

contextualizar conflitos e sonegar direitos, ora recorra ao patrimônio

4

gestado

nos períodos autoritários da história do Brasil para manutenção da ordem.

Não obstante, na medida em que cresce a atuação do Poder Judici-

ário (ainda que essa atuação não atenda às expectativas geradas), diminui

a ação política, naquilo que se convencionou chamar de ativismo judicial

5

.

Esse quadro está a indicar um aumento da influência dos juízes e tribunais

nos rumos da vida brasileira, fenômeno correlato à crise de legitimidade

de todas as agências estatais e ao crescimento do sentimento de descon-

fiança em relação à Justiça.

Em outras palavras: hoje, percebe-se claramente que o Sistema de

Justiça tornou-se um

locus

privilegiado da luta política, o que torna a es-

colha dos Ministros dos tribunais superiores (ou seja, dos tribunais com

competência em todo território nacional e que produzem as decisões que

servem de diretrizes/modelos para todos os órgãos do Poder Judiciário)

um ponto sensível (embora, constantemente negligenciado) no processo

de construção da democracia brasileira (democracia aqui entendida em

seu sentido material, como efetiva participação popular na produção das

decisões fundamentais à República somada ao respeito incondicional aos

direitos fundamentais).

Por evidente, não se pode pensar a atuação do Poder Judiciário de-

sassociada da tradição em que os magistrados

6

estão inseridos. Adere-se,

portanto, à hipótese de que há uma relação histórica, teórica e ideológica

entre o processo de formação da sociedade brasileira (e do próprio Po-

4 Com Rui Cunha Martins, entende-se que quer no eixo autoritário, quer o eixo democrático, há “um sistema com-

plexo, intrinsecamente plural, de referências doutrinárias, mecanismos de acção, funções ideológicas e experiências

históricas concretas, interagindo e agregando-se de forma dinâmica. Cada um desses conjuntos, à medida que vai

sendo requisitado e em que vai incorporando novas formas históricas, devém patrimônio – patrimônio ditatorial e

patrimônio democrático -e é nessa condição patrimonial que ele é recebido, encarado e utilizado em cada momento

histórico. (...) só entendendo a democracia e a ditadura como patrimônio se pode compreender que elas fiquem em

cada época, como valor que são, disponíveis para uso” (MARTINS, Rui Cunha.

O ponto cego do direito:

the brazilian

lessons.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 106.

5 Para os fins deste texto, o ativismo judicial identifica-se com a substituição das ações do Executivo e do Legislativo,

bem como das reivindicações populares, por medidas e decisões judiciais.

6 No Brasil, adota-se o modelo do juiz profissional, em que os magistrados assumem as suas funções a partir da

aprovação em concursos públicos ou por indicações políticas (os tribunais são compostos por juízes de carreira, que

são promovidos, e por pessoas escolhidas sem a necessidade de concurso público; nos Tribunais Superiores, ou seja,

naqueles com jurisdição em todo o território nacional, essa escolha cabe ao Presidente da República).