

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 206 - 211, jan - fev. 2015
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crescentes demandas, o Poder Judiciário recorre a uma concepção política
pragmática que faz com que ora se utilize de expedientes técnicos para des-
contextualizar conflitos e sonegar direitos, ora recorra ao patrimônio
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gestado
nos períodos autoritários da história do Brasil para manutenção da ordem.
Não obstante, na medida em que cresce a atuação do Poder Judici-
ário (ainda que essa atuação não atenda às expectativas geradas), diminui
a ação política, naquilo que se convencionou chamar de ativismo judicial
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.
Esse quadro está a indicar um aumento da influência dos juízes e tribunais
nos rumos da vida brasileira, fenômeno correlato à crise de legitimidade
de todas as agências estatais e ao crescimento do sentimento de descon-
fiança em relação à Justiça.
Em outras palavras: hoje, percebe-se claramente que o Sistema de
Justiça tornou-se um
locus
privilegiado da luta política, o que torna a es-
colha dos Ministros dos tribunais superiores (ou seja, dos tribunais com
competência em todo território nacional e que produzem as decisões que
servem de diretrizes/modelos para todos os órgãos do Poder Judiciário)
um ponto sensível (embora, constantemente negligenciado) no processo
de construção da democracia brasileira (democracia aqui entendida em
seu sentido material, como efetiva participação popular na produção das
decisões fundamentais à República somada ao respeito incondicional aos
direitos fundamentais).
Por evidente, não se pode pensar a atuação do Poder Judiciário de-
sassociada da tradição em que os magistrados
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estão inseridos. Adere-se,
portanto, à hipótese de que há uma relação histórica, teórica e ideológica
entre o processo de formação da sociedade brasileira (e do próprio Po-
4 Com Rui Cunha Martins, entende-se que quer no eixo autoritário, quer o eixo democrático, há “um sistema com-
plexo, intrinsecamente plural, de referências doutrinárias, mecanismos de acção, funções ideológicas e experiências
históricas concretas, interagindo e agregando-se de forma dinâmica. Cada um desses conjuntos, à medida que vai
sendo requisitado e em que vai incorporando novas formas históricas, devém patrimônio – patrimônio ditatorial e
patrimônio democrático -e é nessa condição patrimonial que ele é recebido, encarado e utilizado em cada momento
histórico. (...) só entendendo a democracia e a ditadura como patrimônio se pode compreender que elas fiquem em
cada época, como valor que são, disponíveis para uso” (MARTINS, Rui Cunha.
O ponto cego do direito:
the brazilian
lessons.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 106.
5 Para os fins deste texto, o ativismo judicial identifica-se com a substituição das ações do Executivo e do Legislativo,
bem como das reivindicações populares, por medidas e decisões judiciais.
6 No Brasil, adota-se o modelo do juiz profissional, em que os magistrados assumem as suas funções a partir da
aprovação em concursos públicos ou por indicações políticas (os tribunais são compostos por juízes de carreira, que
são promovidos, e por pessoas escolhidas sem a necessidade de concurso público; nos Tribunais Superiores, ou seja,
naqueles com jurisdição em todo o território nacional, essa escolha cabe ao Presidente da República).