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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 164 - 184, jan - fev. 2015

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tratégias de consumo do capitalismo contemporâneo, caracterizado pela

individualização extrema do consumo e pelo rompimento total com laços

sociais mais perenes (leitura de Guilherme Leite Cunha na

Revista Fórum

de julho de 2013)

27

. Tratar-se-ia do primeiro protesto, da primeira apari-

ção pública dos filhos do atual capitalismo, iniciado com o neoliberalismo.

Nesse perfil de sujeito do capitalismo criado sob os produtos da

indústria contemporânea – a internet e as redes sociais –, desenvolve-se

facilmente o ódio multifacetado, disperso, múltiplo e hiperindividualista.

Guilherme Leite Cunha observa os dizeres na multidão de cartolinas indi-

viduais, contraditórias, genéricas, egocêntricas, tal qual uma

timeline

da

rede. Para esse novo sujeito, não seria este ou aquele governo que trai os

anseios da população, mas o próprio capital, que trabalha na contradição

entre massificar e individualizar o consumo ao paroxismo e obriga o sujei-

to a se resolver entre a insignificância absoluta e os desejos de notorieda-

de. Essa leitura mais sofisticada, de enquadramento marxista, dependeria

de uma análise mais profunda.

Por fim, mas não menos importante e preocupante, como causadores

ou fabricantes de protestos faz-se o registro de um fenômeno diferente que

vem acontecendo em algumas partes do mundo, embora longe de ser asso-

ciado com as manifestações no Brasil. Trata-se de um outro tipo de protesto,

programado por métodos pacíficos para desmobilizar e até destituir governos

tidos como autoritários. O documentário “O negócio da revolução” denuncia

a organização OTPOR-Canvas como promotora e financiadora dos levantes da

Primavera Árabe, ações na Tunísia, Egito, também da Ucrânia e Venezuela.

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Imaginar que esses agentes de protestos programados estejam no

Brasil seria um exagero, mas ignorar os interesses externos na política

interna do Brasil é ingenuidade e erro estratégico. Basta que se obser-

ve atualmente o exemplo da Venezuela para entender que os interesses

anunciados explicitamente por John Karry, que considera a América Latina

como sendo o quintal dos EEUU, não é mera retórica provocativa.

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Registra-se a atuação da OTPOR-Canvas e organizações do gênero

porque tais elementos, inéditos na tradição de protestos no Brasil, pode-

27

http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/06/a-catarse-da-classe-media/

28 Otpor foi extinta, transformando-se em partido político na Sérvia, e levanta a sua bandeira no momento é a orga-

nização CANVAS -

(http://www.canvasopedia.org/)

, com sede em Belgrado, atua em mais de 50 países atualmente.

29 Em abril de 2013, em discurso realizado diante o Comitê de Assuntos Exteriores da Câmara de Representantes,

John Kerry quis destacar a importância de uma maior aproximação com a América Latina, porque trata-se do “quin-

tal” de seu país. Na mesma ocasião, perguntado sobre o resultados das eleições de Nicolás Maduro, respondeu

“deve haver uma recontagem [dos votos]”.