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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 164 - 184, jan - fev. 2015

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De fato, os dados das pesquisas apontam que majoritariamente

os manifestantes no Brasil eram provenientes da chamada “nova classe

média”, que obtiveram mais qualidade de vida ou renda aumentada nos

últimos 10 anos, e indicam que surpreendentemente 69% dos que partici-

param dos protestos estão satisfeitos com sua vida atual (dados PNAD do

IBGE). São dados como estes que tornam as análises mais desafiadoras.

Esse ganho econômico e o surgimento da “nova classe média” tam-

bém gerou protestos no sentido inverso, da elite, externando revolta con-

tra os benefícios adquiridos por setores da população que nunca tinham

tido acesso a certos privilégios. Com a redução das desigualdades econô-

micas e sociais ocorridas nos últimos 10 anos, a possiblidade de acesso a

bens era exclusiva de uma classe social elevada, ou da antiga classe média

(viagens aéreas, universidade e colégios particulares, planos de saúde,

bens e serviços em geral) e agora são possíveis amplamente, gerando re-

volta, às vezes explícita, de setores da população.

A contrariedade é ainda maior quando o acesso se dá na forma de

direitos adquiridos, como a ampliação dos direitos das empregadas do-

mésticas acabando com o trato desigual e as privações que se mantiveram

desde os tempos da escravidão. Nem todos ficaram satisfeitos com o novo

Brasil que se avizinha.

Não são poucas as interpretações que utilizam o argumento difuso

do combate à corrupção como principal objetivo para as manifestações,

mas não qualquer corrupção, e sim aquela supostamente disseminada no

país na era petista. Essa versão é a preferida da grande mídia, que costuma

ecoar a ideia de “basta, chegamos ao limite”. A mídia tradicional (Globo,

Folha, Estadão, Veja, etc.) repete diuturnamente e à exaustão o discurso

da corrupção ligada ao governo do PT, tendo transmitido o desenrolar do

processo da AP 470 (chamado “Mensalão”) durante todo o ano de 2013.

Como opina Márcio Pochmann, os jornais de hoje também escrevem para

os seus militantes, escrevem o que eles querem ouvir. O discurso da cor-

rupção é também conveniente em ano pré-eleitoral e talvez seja um dos

argumentos mais rasos para definir as razões das manifestações de junho.

Já no campo das análises mais profundas, o sociólogo Boaventura

de Sousa Santos em artigo “O preço do progresso” publicado na Agência

Carta Maior em 16/09/13, ao opinar sobre os motivos das manifestações

no Brasil, foi contundente nas críticas ao governo brasileiro e, em especial,

às opções que atribui diretamente à Presidência, ao modelo de desenvol-