

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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do junto com os demais presos e, no decorrer da instrução processual,
todos alegaram quadro de dependência química. Tendo os advogados
particulares, inclusive, juntado aos autos parecer de perito, também par-
ticular, que confirmava o alegado. Os
experts
do juízo, através de laudos
médicos (fls. 276/289 dos autos), analisando a imputabilidade
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dos réus,
atestaram que à época dos fatos os acusados tinham inteira capacidade
de entender o caráter ilícito do fato, mas que apenas o sujeito principal
era parcialmente incapaz de determinar-se de outra forma, em razão de
sua dependência à cocaína, enquanto os outros tinham completamente
abolida a capacidade de autodeterminação pelo grau avançado da mesma
dependência. A Juíza, em sede de sentença, acompanhou o entendimen-
to dos peritos judiciais, absolvendo os acusados que não tinham nenhu-
ma capacidade de determinação e, quanto ao sujeito principal, apesar
de condenado por tráfico, sua pena privativa de liberdade foi substituída
para tratamento em Hospital de Custódia. Quanto à prática do crime de
“associação para o tráfico”, a Juíza rejeitou,
in verbis
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:
Exige-se como co-
rolário natural da expressão associarem-se a ideia da habitualidade da
estabilidade da sociedade criminosa.
Fica difícil imaginar um punhado de
pessoas com graves problemas de dependência a entorpecente, martiri-
zados por dolorosos problemas sociais, conseguirem no delito, a estabi-
lidade que jamais conseguiram em suas vidas.
[destacou-se]
A história desse sujeito principal foi narrada em livro e filme; que o
nome dele não era Johnny todos sabem, Janderson que não seria; contu-
do, poucos tomam conhecimento de que o grupo dos “martirizados por
dolorosos problemas sociais, cuja estabilidade jamais conseguiram em
suas vidas”, é seleto. Quem alcança o tirocínio sabe perfeitamente que
Janderson Pereira da Silva foi só mais um Silva, dentre muitos outros que
enchem as penitenciárias brasileiras.
Fazer leis é diferente de aplicar leis. Principalmente em nosso país,
que fomenta a
vitimização recíproca entre policias, traficantes e popula-
ção
, quarta verdade inglória. A vitimização mútua é utilizada para manter
fora da discussão o único responsável pelo efeito colateral da política de
repressão, o próprio Estado. Ocorre de uma maneira muito simples, os
policiais são treinados para uma guerra, sendo levados a crer que lutam
pelo bem e que o mal emana do tráfico, cujo “reduto” é nas favelas; con-
36 Artigo 26 do Código Penal Brasileiro.
37 Processo nº 95.0032967-0 / 1995 - 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Sentença nº 81/96. Fls. 433 e 434.