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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014

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lecimentos farmacêuticos. São mulheres as maiores consumidoras dessas

substâncias e os médicos sem especialização são os maiores prescritores.

Há a prescrição indiscriminada de anfetaminas (inibidores de apetite),

com fins estéticos,

para pacientes sem evidência de indicação clínica –

índice de massa corporal (IMC) maior que 30 kg/m².”

32

Esta é a incongruência acerca do objeto material, tanto no que se

refere à forma lícita como são tratadas as substâncias com periculosidade

social evidente, como no desprezo proposital da conduta de usuários de

substâncias ilícitas, que não são o “público alvo” da política de repressão.

Semelhante ao que ocorre com os usuários, também há o público

alvo entre os traficantes. O artigo 33 da Lei 11.343/2006, à que tipifica a

conduta de tráfico, igualmente estipula, a semelhança do artigo 28,

in ver-

bis

:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, ad-

quirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer

consigo, guardar,

prescrever

, ministrar, entregar a consumo ou fornecer

drogas,

ainda que gratuitamente

, sem autorização ou em

desacordo com

determinação

legal ou

regulamentar

. [destacou-se]

A conduta do médico que receita psicotrópicos incluídos no rol de

substâncias controladas, como sibutramina ou anfetaminas inibidoras de

apetite, para pessoas que não são obesas, com IMC menor que 30 kg/

m², prescrevendo droga em desacordo com determinação regulamentar,

é típica de algum crime? Da mesma forma, os médicos sem especialização

que prescrevem de forma indiscriminada o uso de ansiolíticos (Valium® ,

Lexotam®, Rivotril®), ainda que gratuitamente, praticam alguma conduta

criminosa? Como já foi exposto, o uso dessas substâncias é corriqueiro e

cada vez maior, a farmacodependência alcança números alarmantes, e

são, junto com o álcool, as verdadeiras “drogas de entrada”. No Brasil exis-

te uma cifra enorme de médicos e farmacêuticos praticando a conduta

típica do tráfico de drogas prevista no artigo 33, mas essa cifra é negra

33

.

A

seletividade do sujeito ativo do crime de tráfico

(terceira verda-

de inglória) no Brasil é talvez o pior efeito colateral da política de repres-

são; um pensamento do Juiz espanhol penalista Javier Martinez Lázzaro

32

Curso de Prevenção ao Uso de Drogas

– Capacitação de Conselheiros e Líderes Comunitários – Universidade

Federal de Santa Catarina / Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas do Ministério da Justiça (SENAD – MJ). 5ª

edição. Brasília 2013. Fls. 69.

33 Crimes que não chegam ao conhecimento público e, consequentemente, não são investigados e julgados.