

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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sequentemente, como em qualquer guerra, existem desastres que, sob a
ótica policial, são um “mal necessário”. Por sua vez, o sujeito pobre que,
por qualquer razão, normalmente alheia à sua vontade, decidiu vender
produtos considerados ilícitos, se torna o “demônio” da sociedade, en-
xergando no policial um executor, que só existe para matá-lo e ganhar a
guerra. No meio disso tudo, está a população dessas áreas de confronto,
que se alterna entre vítima de policiais e vítima de traficantes, não saben-
do em quem confiar. Todos são algozes de todos. Nesse ínterim, ninguém
questiona o criador do problema, o Estado. Fica fácil enxergar essa po-
lítica contando a parábola da mulher adúltera que, cansada do descaso
e desprezo de seu marido, procura um amante, que mora do outro lado
do rio. Para atravessar este rio, ela tinha duas alternativas, pela ponte ou
de barco. Como era público e notório a existência de um estuprador as-
sassino que rondava as imediações da ponte quando anoitecia, a mulher
comumente ia pela ponte de manhã, voltando no último horário em que
o barqueiro fazia a travessia (18h). Certa vez, demorando mais do que o
de costume com seu amante, a mulher se atrasou 02 minutos para pegar
o último barco. E obteve como resposta do barqueiro que não efetuaria a
travessia de volta porque seu ofício terminava impreterivelmente às 18h.
Inconformada, solicitou a seu amante que a acompanhasse no retorno
pela ponte; alegando cansaço e falta de necessidade, o amante mandou
a mulher ir sozinha. E ela assim o fez. Resultado: foi estuprada e morta. A
grande pergunta que se faz: de quem é a culpa? Comumente as pessoas
variam as respostas. As mulheres costumam alternar entre o marido que
não foi atencioso ou o amante que foi preguiçoso. Para os homens, a cul-
pa é da mulher que foi adúltera e “teve o que mereceu”, ou do barqueiro
que foi burocrata. O verdadeiro culpado não é enxergado. O estuprador as-
sassino. Inconscientemente, considera-se normal matar. As circunstâncias
paralelas ofuscam quem verdadeiramente deu causa à tragédia. Quando
se discute acerca do problema das drogas acontece o mesmo ilusionismo,
propositalmente criado; alguns argumentam que a culpa é do usuário, pois
sem ele não haveria venda; outros, que a culpa é do traficante, poque sem
a venda não existiria usuário; há ainda os que culpam a família pelo desam-
paro e negligência na instrução dos filhos. Quando o verdadeiro culpado
é o Estado, que criminalizou esses comportamentos. Inconscientemente,
considera-se normal as condutas cotidianas convertendo-se em crimes.
Com relação à polícia, em especial a Militar do Rio de Janeiro
(PMERJ), vale consignar argumentos que, se não justificam, ao menos ex-