

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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plicam sua característica letal. A história da PMERJ é muito parecida com a
de Lucius Artorius Castus
(Rei Arthur), pelo menos a que é narrada em seu
filme
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. A biografia, ou mito, não se sabe ao certo, contada sobre a Era das
Trevas onde Arthur viveu (início do século VI) dá conta de que ele foi um
cristão que apostava na fé de sua religião, logo, consequentemente, acre-
ditava em Roma e na Igreja que traçava as estratégias sob o crivo da
“von-
tade de Deus”
. Todas as conquistas realizadas por batalhas sangrentas e
muitas vezes desumanas eram, para ele, justificadas através da prática de
um bem maior, “
cumprir seu dever com Roma
”, estipulado pelos líderes
da igreja, os quais ele cria serem “
legítimos representantes das leis de
Deus”
. Arthur foi comandante dos notáveis Cavaleiros Sarmatianos, incor-
porados ao exército romano, obrigados a lutar por Roma durante décadas
em troca da liberdade de seu povo. Arthur criou um grupo de elite, os
Cavaleiros da Távola Redonda, e dentre eles estava o famoso Lancelot.
Aos poucos, foi descobrindo o que os “
porta-vozes
” de Deus faziam com
o povo (escravizavam e condenavam sumariamente hereges e pagãos que
contrariavam os dogmas da Igreja Católica, como ocorrera a Pelágio) e
percebeu que, juntamente com seus homens, empreendeu uma guerra
para defender uma Roma que não existia. Chegando à conclusão de que
eles mesmos criaram as maldições, e as bênçãos. Apesar disso, após anos
de batalhas, não havia como pedir a seus homens que abdicassem de seus
ofícios como guerreiros, principalmente na iminência de uma guerra con-
tra os saxões. O seu instinto e de seus comandados já se tornara imutável
e continuou na guerra por uma Roma imaginária.
Séculos se passam e a história se repete, apenas os personagens
são diferentes. As “vontades de Deus” e seus “legítimos representantes”
foram substituídos pelo Estado e seus governantes, respectivamente. A
PMERJ, assim como Arthur e seu exército, acreditou durante décadas que
estava “cumprindo seu dever com o Estado”. Mesmo que ocorra uma re-
velação em massa do que os “porta-vozes” de nossa sociedade realmente
fazem com as políticas públicas, principalmente as criminais, nossos sol-
dados já se encontram igualmente imutáveis. Dependentes do inimigo.
Como afirmou o Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Ja-
neiro em entrevista
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, ao falar da criação de delegacias de polícia civil em
áreas pacificadas, complementando o plano de integração entre polícias
civil e militar, afirma que nos mesmos moldes das UPPs, as novas delega-
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Rei Arthur.
Dirigido por Antoine Fugua. Distribuído por Disney/Buena Vista. 2004.
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Jornal O Globo
– 15/09/2013. Página 16.