

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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sestimulando tal forma de manifestação, o que vemos é a alimentação das
desigualdades, de uma forma muito simples: aumentando o número de in-
frações penais. O direito penal é um dos maiores instrumentos de exclusão
social que temos e, ao mesmo tempo, o que parece ser mais simpático aos
olhos da população, graças ao que se denomina
populismo penal midiático
43
.
Como dizia Cesare Beccaria (1764), a grandeza das penas deve ser
relativa ao próprio estado da nação. Devem ser mais fortes e sensíveis
as impressões sobre os ânimos endurecidos do povo que apenas saiu do
estado de selvagem: requer-se um raio para abater um leão feroz que se
agita ao tiro do fuzil. Porém, à medida que se abrandam os ânimos no
estado de sociedade, cresce a sensibilidade e, crescendo esta, deve di-
minuir a força das penas, se se quiser manter constante a relação entre o
objetivo e a sensação. As leis são as condições com que os homens inde-
pendentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viverem num
contínuo de guerra e de gozarem uma liberdade tornada inútil por causa
da incerteza de sua conservação. A soma de todas essas porções de liber-
dade sacrificadas ao bem de cada um constitui a soberania de uma nação,
e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Foi, pois, a ne-
cessidade que obrigou os homens a cederam parte de sua liberdade; e é
certo que cada um não quer colocar no depósito público senão a mínima
porção possível que baste para induzir os demais a defendê-lo. O conjunto
dessas mínimas porções possíveis forma o direito de punir, tudo mais é
abuso e não justiça; é fato e não direito.
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Deve-se rememorar as lições básicas do Direito Penal, no sentido
de que essa ferramenta só deve ser utilizada em
ultima ratio
, é a últi-
ma opção, quando todas as outras falharem (Direito Constitucional, Civil,
Administrativo etc). Não é o que estamos experimentando, vemos a cri-
minalização do cotidiano aumentar cada dia. O Direito Penal é compara-
do ao desfibrilador, emprega-se como última alternativa. Nessa acepção,
fazendo uma singela analogia, é como se a nossa sociedade atual fosse
um hospital, no qual nós, cidadãos, fossemos os paciente e os funcioná-
rios do hospital, os agentes estatais; chegando ao serviço de emergência,
com uma dor de cabeça ou até mesmo uma fratura grave, os pacientes
são imediatamente levados ao desfibrilador, não há uma triagem, exames
preliminares ou tratamentos proporcionais. Parece cômico, mas a realida-
de é trágica igual ao exemplo, o Direito Penal está executando as pessoas.
43 Gomes, Luiz Flávio; Almeida, Débora de Souza de.
Populismo Penal Midiático
- Caso Mensalão, Mídia Disruptiva
e Direito Penal Crítico. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
44 BECCARIA, Cesare.
Dos delitos e das penas.
Ob. cit. Fls. 61 e 20.