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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014

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define o que será o futuro:

Algum dia, quando a descriminalização das

drogas for uma realidade, os historiadores olharão para trás e sentirão o

mesmo arrepio que hoje nos produz a Inquisição.

34

Além da seletividade omissiva feita através da cifra negra, existe

a seletividade ativa que demoniza e estigmatiza determinadas pessoas,

em determinadas localidade, com determinadas etnias. Esta seletividade

começa pela polícia militar que, muitas vezes, é o 1º juiz da causa, passa

pela polícia judiciária (estadual e federal), continua no poder judiciário e

se perpetua na mídia, gerando um ciclo vicioso que é primoroso na ma-

nutenção do controle social através do senso comum criminológico. Um

sujeito não branco, pobre e sem grandes instruções, abordado por um

policial em uma localidade carente com alguns gramas de cocaía é trata-

do com a presunção de tráfico. Em contrapartida, um caucasiano, de boa

condição financeira e plenamente instruído, abordado por um policial na

Zona Sul do Rio de Janeiro com alguns quilos de maconha, muito prova-

velmente será tratado com a presunção de usuário.

Para sair do campo crítico teórico, traz-se à baila uma história real.

A biografia de Janderson Pereira da Silva

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, escrita nos autos do processo

criminal 0026774-02.2013.8.19.0004. Janderson foi preso nas redondezas

do morro do Salgueiro, na cidade onde reside (São Gonçalo/RJ), ao acabar

de comprar

7,8 gramas

de cocaína para seu consumo. No ato de aborda-

gem pela política militar, não ofereceu resistência e prontamente afirmou

que teria droga na mochila que carregava; ato contínuo, os policiais milita-

res o conduziram para delegacia de polícia civil com circunscrição corres-

pondente. Janderson foi autuado pelo delegado de polícia como trafican-

te de drogas. Se a autoridade policial tivesse atentando ao depoimento

dos policiais bem como à folha de antecedentes criminais, que não tinha

anotações, poderia ter feito justiça. Poderia ainda tomar conhecimento

de que o acusado possui trabalho e residência fixos; é casado; há compro-

vantes de internação para tratamento de dependência química; recebera

o salário no dia em que adquiriu a droga, havendo comprovante através

de extrato bancário do saque de toda quantia horas antes da prisão. Ou

seja, todas as evidências de consumo ao invés da mercancia. Consigna-se

que essa cautela não é absurda, pelo contrário, a própria lei, no artigo 28,

§ 2º, exige que, para determinar se a droga destina-se a consumo pessoal,

34 Citado no Documentário

Cortina de Fumaça

- Direção de Rodrigo Mac Niven, numa coprodução entre a J.R. Mac

Niven Produções e a TVa2 Produções. 2010.

35 Permissão por escrito para expor esta história.