

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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Em uma primeira análise, já é estranho tomar conhecimento de que
café, cerveja, cigarro e ansiolíticos (benzodiazepínicos) são psicotrópicos,
ou seja, somos um “bando de drogados”. Este é o ponto de partida para
segunda verdade inglória,
a incongruência do objeto material da lei de
drogas
. No Direito Penal, objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual
recai a conduta criminosa, não se confundindo com o supracitado “bem
jurídico” (vida, patrimônio, honra etc). Aquele constitui o objeto corpóreo
(coisa ou pessoa), incluído na definição do delito, sobre o qual recai a ação
punível, por exemplo, a coisa móvel, no furto (o objeto que foi furtado).
Há crimes em que o sujeito passivo identifica-se com o objeto material,
como, por exemplo, no homicídio. Como é óbvio, nos crimes de simples
atividade ou formais, pode não haver objeto material (calúnia, difamação
e injúria)
25
. A lei 11.343/2006 tem a “droga” como objeto material, ou
seja, um gênero que tem inúmeras espécies. Quais dessas espécies são
consideradas ilícitas do ponto de vista criminal? O art. 1º, parágrafo único
da atual lei de drogas define:
Para fins desta Lei, consideram-se como dro-
gas as
substâncias ou os produtos capazes de causar dependência
, assim
especificados em lei
ou relacionados em listas
atualizadas periodicamen-
te pelo Poder Executivo da União.
[destacou-se]
O artigo 66 do mesmo diploma legal completa:
Para fins do disposto
no parágrafo único do art. 1
o
desta Lei, até que seja atualizada a termino-
logia da lista mencionada no preceito,
denominam-se drogas substâncias
entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial,
da Portaria SVS/MS n
o
344, de 12 de maio de 1998.
[destacou-se]
Daí extraímos uma segunda indagação: no Brasil, há alguma lei (ge-
nérica, abstrata e impessoal, produzida pelo legislador) penal vigente que
proíba expressamente, dentre outras, a maconha, cocaía e heroína? A res-
posta é negativa
26
. A Lei 11.343/2006 em nenhum momento cita o nome
das substâncias que são proibidas. Quem estabelece quais são estas subs-
tâncias, completando a norma penal (norma penal em branco), é a Portaria
nº 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Dessa forma,
à margem do princípio da reserva legal, quem institui e revoga crimes é um
ato do Poder Executivo, traduzindo a política ao invés do legislador.
25 FRAGOSO, Heleno Cláudio. "Objeto do Crime". Disponível na rede mundial de computadores em
http://www.fragoso.com.br/eng/arq_pdf/heleno_artigos/arquivo60.pdf
- acessado em 18/09/2013.
26 Vale dizer que há o Decreto Lei 891, de 1938, que elenca substâncias, estipulando crimes e penas, o qual não foi
revogado EXPRESSAMENTE. Contudo, se este Decreto não tiver deixado de ser recepcionado pela Constituição de
1988, ao menos foi revogado TACITAMENTE pela Lei 11.343/2006. Assim pensa este autor.