

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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são às drogas. Reunia-se o elemento religioso-moral com o elemento bélico
- com cada vez mais verbas para o capitalismo industrial de guerra -, que
resulta numa ´guerra santa´ contra as drogas, que tem a vantagem de não
ter restrições nem padrões regulativos, com os fins justificando os meios .”
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Concluída a Convenção de Viena, de 1988, prevendo medidas
abrangentes contra o tráfico de droga, incluindo disposições contra a la-
vagem de capitais e o desvio de precursores químicos. No mesmo ano, se-
guindo as “determinações” internacionais, foi promulgada a Constituição
Federal de 1988. Nela encontramos, no título dos direitos fundamentais,
o art. 5º, inciso XLIII,
equiparando o tráfico de drogas aos tais crimes he-
diondos, ao nível da tortura e terrorismo, prevendo a inafiançabilidade
e a proibição de graça ou anistia
.
Ultrapassando a cansativa abordagem histórica, passamos à expo-
sição das lendas que permeiam o sustento da política criminal proibicio-
nista no Brasil. Sob a ótica do Direito Penal, uma vez declarada “War on
Drug” (guerra às drogas), por Nixon, na década de 70, nosso país teve su-
cessões de leis especiais criminalizando o consumo e mercancia. Entre as
mais importantes, destacam-se a imediatamente anterior Lei 6.368/1976
e a atual 11.343/2006.
Para criminalizar uma conduta, criando um tipo penal, com premis-
sa primária (conduta) e secundária (pena/sanção), não basta a vontade do
legislador pura e simples, é preciso fundamentar as razões da tutela - por
meio do Direito Penal - de um bem jurídico e que este seja constitucio-
nalmente previsto, daí falar-se da “Teoria do bem jurídico”. Em termos
práticos, toda infração penal (crime/delito e contravenção penal), tutela
(protege) um bem jurídico “apontado” pela Constituição. Como por exem-
plo, furto e roubo protegem o patrimônio; homicídio e aborto protegem a
vida; calúnia e difamação protegem a honra. Sendo assim, as leis de dro-
gas, tendo que proteger um bem jurídico constitucionalmente previsto,
“escolheram” a saúde pública. Surgem assim as fábulas que encobrem a
hipócrita e autofágica tutela à saúde pública
, primeira verdade inglória.
Evidente que só poderia ser a saúde “pública” porque o Direito Penal não
cuida da autolesão – a não ser em caso de fraude para recebimento de
alguma vantagem, art. 171, § 2º, IV C.P.B. A hipocrisia deste argumento é
“gritante”, o Estado não investe, e parece que nunca irá investir, na saúde
21 SILVA, Antônio Fernando de Lima Moreira da. "Histórico das drogas na legislação brasileira e nas convenções
internacionais". Ob. cit. Fazendo referências à Nilo Batista.