

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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na em favor do ´livre comércio`
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, garantiram o monopólio internacional,
consolidaram o domínio no Extremo Oriente e implementaram a prática
comercial de substâncias psicoativas em larga escala.” Além do ópio, a
cocaína foi utilizada comumente em batalhas e na medicina. Ou seja, o
tráfico de drogas que hoje são ilícitas, além de ter sido atividade eminen-
temente comercial de alguns países, foi defendido por guerras e disponi-
bilizado em guerras.
Do marco comercial para o marco intervencionista e racista, ocul-
tado por fundamentos sanitários, humanísticos e até religiosos. Ainda
nas palavras de Antônio Fernando de Lima Moreira da Silva, “os Estados
Unidos foram o principal expoente na cruzada moral contra o consumo
de drogas. Passaram a tentar, em nível internacional, controlar o comér-
cio de ópio para fins não medicinais. Haveria, por parte dos americanos,
dois motivos, que se sobreporiam aos aspectos sanitários: adaptar os imi-
grantes do século XIX ao estereótipo moral da elite anglo-saxônica pro-
testante, penalizando os desviantes; e conquistar espaço de manobra e
poder econômico nos mercados do oriente, então dominado pelos ingle-
ses.” Fato é que essa pressão americana ganhou controles internacionais,
passando pela Conferência Internacional do Ópio, realizada em Shangai,
(1909) com representantes de países com colônias no Oriente e na Pérsia;
em 1911 realizou-se a Conferência Internacional do Ópio, em Haia. Dessa
conferência resultou a “Convenção do Ópio”, em 1912, pela qual os paí-
ses signatários criaram o compromisso de tomar medidas de controle da
comercialização da morfina, heroína e cocaína nos seus próprios sistemas
legais. No mesmo ano, o Brasil subscreveu o protocolo suplementar de
assinaturas da Conferência Internacional do Ópio, com as pressões inter-
nacionais que até hoje perduram.
Como afirmou Nilo Batista
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, nesse momento a política criminal brasi-
leira começou a adquirir uma configuração definida como “
modelo sanitário
”,
caracterizada pela aplicação das sabedorias e técnicas higienistas, com as au-
toridades policiais, jurídicas e sanitárias. O viciado era tratado como doente,
com técnicas similares às do contagio e infecção da febre amarela e varíola, e
não era criminalizado, mas
objeto de notificações compulsórias para inter-
nação com decisão judicial informada com parecer médico
– o que ressurge
hoje com as propostas “modernas” de internação compulsória.
9 ZACCONE, Orlando. Ob. cit., p. 77.
10 BATISTA, Nilo. “Política criminal com derramamento de Sangue”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais.
São
Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, ano 5, n.º 20, p. 129, outubro-dezembro de 1997.