

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 114 - 137, set - dez. 2014
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recentemente, Claus Roxin, na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro,
defendeu, sob a ótima da Teoria do Bem Jurídico, que tipos penais incri-
minadores como o de consumir drogas
podem chegar a ser inconstitucio-
nais enquanto intervenção inadequada, excessiva e desproporcionada à
liberdade do ser humano.
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Ao realizar uma análise mais aprofundada nos
argumentos empregados para justificar a utilização do Direito Penal como
ferramenta legítima e eficaz no “combate às drogas”, bem como exami-
nar a real aplicação das leis penais, podemos encontrar muitos equívocos
e, sobretudo, muitas fábulas, extraordinárias lendas que ocultam verda-
des inglórias, como por exemplo: a hipócrita e autofágica tutela à saúde
pública; incongruência do objeto material da lei de drogas
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; seletividade
do sujeito ativo do crime de tráfico; vitimização recíproca entre policiais,
traficantes e população; receita do Estado com o
branqueamento
do capi-
tal. O efeito colateral deste tipo de política, pautada em termos militares
como “combate”, “guerra”, “força-tarefa” e “antidrogas”, não poderia ser
diferente desta tragédia social que estamos experimentando ao longo
de décadas. A
ininteligência
do proibicionismo por meio do Direito Penal
vem sendo substituída em outros países por políticas alternativas como a
redução de danos, despenalização e descriminalização das condutas de
usar e vender, sem perder de vista a política de prevenção e investimento
na educação, esta sim, legítima e eficaz.
Parece lugar-comum, mas não é, começar a falar do tema “drogas”
com o discurso de que as civilizações sempre consumiram essas substân-
cias. Na verdade, é essencial fazer esta abordagem; aliás, vale a pena es-
boçar uma primeira crítica, no que tange aos “contra-argumentos” habi-
tualmente utilizados por quem se opõe ao pensamento de que “sempre
usamos e sempre usaremos drogas”. Muitos afirmam que o fato de a huma-
nidade sempre ter feito uso de substâncias psicoativas não seria o bastante
para cogitarmos a descriminalização das drogas, pelo contrário, que este
discurso seria “carente” demais, e justificam fazendo uma comparação com
outros crimes, no sentido de que a mesma humanidade sempre roubou,
matou, estuprou, e, nem por isso, pensa-se em descriminalizar essas con-
dutas.
Concessa maxima venia
, é esta antítese que carece de fundamento,
pois, ao contrário das drogas, a sociedade nunca fomentou a morte, o rou-
bo e o estupro, no máximo, em ocasiões extremas (guerra, beligerância,
insurgência) as duas primeiras condutas foram toleradas, apenas.
2 Seminário Internacional de Direito Penal e Criminologia, Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro,
30/10/2012.
3 Lei 11.343/2006.