

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 177 - 190, Setembro/Dezembro. 2017
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ao outro, uma vez que o Direito não defende a malícia e nem o ilícito. A
prática do útero de substituição não pode virar escudo protetivo para con-
dutas que, de qualquer modo, venham ferir a ordem jurídica, a boa-fé e os
valores sociais.
A responsabilidade se torna então necessária para que seja reparado o
dano que a quebra do contrato causou, sendo sensível no sentido de que a
celeuma envolve não apenas valores patrimoniais, mas, acima de tudo, frus-
tração de expectativas, esperança e fé. Muitas das vezes, a formação de uma
família é o sonho de um casal ou, até mesmo, de uma pessoa que deposita
no projeto de ter um filho, a alegria de seus dias futuros. Por fim, pretende-
-se demonstrar de que forma ela responderia frente ao descumprimento do
contrato e à frustração causada por sua conduta de desistir de entregar a
criança, a despeito do acordo outrora realizado.
A metodologia utilizada foi qualitativa, mediante pesquisa bibliográ-
fica de cunho exploratório nos principais periódicos de autores, tais como:
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2015), Américo Luís Mar-
tins da Silva (2014), Flávio Tartuce (2007), Guilherme Calmon Nogueira da
Gama (2003), Eduardo de Oliveira Leite (1995), dentre outros.
1. BREVE ANÁLISE DO ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO
O anseio de deixar descendentes e com eles seu legado é próprio da
vontade humana. Desde os tempos de Roma, ter um filho significava man-
ter a tradição e força familiar, na medida em que o filho seria aquele que
perpetuaria a riqueza e as responsabilidades do pai. Contudo, quando esse
objetivo não é alcançado face à infertilidade ou, até mesmo, por se tratar
de união homoafetiva, buscam-se meios para a concretização desse sonho.
Diante disso, o útero de substituição
1
surge como uma técnica de reprodu-
ção assistida e como um meio de concretização do planejamento familiar.
Segundo Hryniewicz e Sauwen (2008, p. 103), os ingleses chamam o úte-
ro de substituição de “
surrogate mother,
os alemães de
Mietmutter,
os portu-
gueses de mãe hospedeira (...)”. No Brasil, dentre as suas principais denomina-
ções, ela é conhecida por gestação por substituição, gestação em útero alheio,
útero sub-rogado, cessão temporária de útero e doação temporária do útero.
Nas lições de Silva (2014, p. 698), “a
maternidade por substituição
é o
acordo em que uma mulher aceita engravidar com o objetivo de gerar e dar
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Necessário esclarecer que ao utilizar a expressão “útero de substituição”, entre outras denominações, não se está se
referindo à onerosidade. No Brasil, esse contrato será sempre gratuito por força das resoluções do CFM.