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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 137 - 160, Setembro/Dezembro. 2017
anti-isonômica. São diversas as diferenças entre os regimes, valendo pontuar
a restrição da base de cálculo do quinhão do companheiro aos bens adqui-
ridos onerosamente na vigência da união estável, bem como a sua concor-
rência com os colaterais, o que não se verifica na sucessão do cônjuge. Para
ilustrar a distinção, basta verificar que com a aplicação da sistemática do
artigo 1829 ao caso narrado, Ana herdaria todos os bens de Marcos, nada
cabendo aos irmãos do falecido.
O julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG foi iniciado
em agosto de 2016, sendo concluído, após dois pedidos de vista, em maio de
2017. Prevaleceu o voto do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, pelo pro-
vimento do recurso, com o reconhecimento incidental da inconstituciona-
lidade do artigo 1790, sendo acompanhado pelos Ministros Edson Fachin,
Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Res-
taram vencidos os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewan-
dowski, que negavam provimento ao recurso por entenderem constitucional
o dispositivo impugnado.
Julgou-se paralelamente o Recurso Extraordinário 646.721/RS, de re-
latoria do Ministro Marco Aurélio, no qual se assentou a extensão do enten-
dimento prevalecente no RE 878.694/MG às uniões estáveis homoafetivas,
sendo designado para redigir o acórdão o Ministro Luís Roberto Barroso.
O objetivo central deste trabalho é tecer algumas considerações sobre
um dos argumentos invocados pela corrente vencida em favor da confor-
midade constitucional do regime sucessório dos companheiros: o de que se
trataria de norma que privilegiaria o direito de liberdade do casal. Trata-se
de argumento com ampla aceitação, e que tem repercutido com maior in-
tensidade entre os doutrinadores críticos à decisão alcançada pelo tribunal
4
.
Para tanto, o fundamento, conforme constante do voto do Ministro
Dias Toffoli, que inaugurou a divergência, será exposto mais detalhadamente
no tópico seguinte, após a apresentação das razões do voto do relator, em
sentido contrário. Em seguida, será esclarecida a relevância da análise de
argumentos associados ao direito de liberdade no âmbito do Direito Civil
para, então, aprofundar-se o estudo dos fundamentos aduzidos nos votos.
Por fim, serão enfrentados outros argumentos invocados no debate, permi-
tindo alcançar uma conclusão sobre a constitucionalidade do artigo 1790 e,
por conseguinte, sobre o acerto ou não da decisão do STF.
4 Por todos: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. STF acabou com a liberdade de não casar ao igualar união estável a casamen-
to. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2017-jun-14/rodrigo-cunha-pereira-stf-acabou-liberdade-nao-casar>.
Acesso em 19.06.2017.