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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 47-100, 2º sem. 2015
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executados por profissionais despreparados, que acabam por causar novo
sofrimento a elas na rota crítica do fluxo da justiça criminal. Constata-se,
assim, que grande parte do sofrimento gerado advém do próprio percur-
so que a vítima tem que realizar na rede de atendimento, ocasionando o
fenômeno conhecido como revitimização, na medida em que esta é nova-
mente exposta a constrangimentos e julgamentos morais, contraditoria-
mente, pelos próprios órgãos que deveriam protegê-las:
"Um dos casos, bastante emblemático – e que envolve, em
certa medida, a corresponsabilização da vítima – ,foi de um
casal de idosos, aparentemente bastante humildes. O ho-
mem havia agredido a companheira com um tapa no rosto,
em função de uma discussão que ambos atribuíam ao fato de
ela ter consumido bebida alcoólica. Nesta audiência, o discur-
so predominante (tanto das partes, que queriam voltar a vi-
ver juntas, com a revogação da medida protetiva de urgência,
quanto da Magistrada) foi no sentido de que a mulher deveria
evitar o consumo de bebidas alcoólicas, tendo em vista sua
idade, o fato de terem um filho – que necessitava de bons
exemplos – e, também, a fim de ‘evitar que a mulher provo-
casse as agressões do marido’ (Analista Técnico)".
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"A Juíza ressaltava a necessidade de que as mulheres ‘se co-
locassem no seu lugar’, no sentido de que muitas vezes, tão
logo obtinham a medida protetiva para afastar o agressor do
lar, deixavam os filhos em casa para irem a bailes e eventos
festivos".
"Em outro caso, a vítima, que pediu para não ser colocada
diante do agressor na sala de audiências, relatou estar so-
frendo ameaças, que tinha medo de que o ex-companheiro
descobrisse seu atual endereço e que estava sendo impedida
por ele de visitar o filho (que tinham ficado sob responsabili-
4 AUGUSTO, Cristiane Brandão (coord.):
Violência Contra a Mulher e as Práticas Institucionais.
Ministério da Jus-
tiça. Secretaria de Assuntos Legislativos – Brasília: Ministério da Justiça, 2015. "Série Pensando o Direito", nº 52.