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ARTIGOS

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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 47-100, 2º sem. 2015

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3. OUTROS PROBLEMAS HISTÓRICO-CULTURAIS: A LÓGICA FAMILISTA

Relevando o fato de que a violência de gênero é oriunda de um fe-

nômeno histórico-cultural, percebe-se, portanto, que a lei promulgada em

2006 se caracteriza como uma espécie de fronteira entre o entendimento

tradicional dos valores hegemônicos, com a defesa do bem jurídico “har-

monia familiar”, e o reconhecimento da violência doméstica como atenta-

do contra os direitos individuais de seus membros.

Ao se apontar, contudo, a necessidade de pensar a tipicidade da vio-

lência doméstica contra as mulheres, o caminho dos operadores do direito

tem sido, muitas vezes, diametralmente diferente do que propõe o pensa-

mento feminista, ou mesmo do que é proposto pela atual legislação.

Ainda hoje, não raro, juízes e promotores, quando se referem à espe-

cificidade da violência no contexto doméstico e familiar, tendem a exaltar

o significado de família e do lar, local este onde não deve haver conflitos

nem violência, e se os há, deles não se deve falar ou maximizar sua impor-

tância. Além disso, supõem implicitamente uma ordem “natural” regida

pelo “chefe de família masculino” e de um padrão tradicional de família

nuclear heterossexual:

"pra mim, a entidade familiar e uma questão de sustentabili-

dade. E uma microssociedade inserida dentro de uma média

sociedade — que e a sociedade urbana, inserida dentro de

um outro contexto — que e a sociedade local municipal —,

depois a sociedade regional do Estado, a sociedade nacional

da União e a sociedade internacional. O primeiro elemento

que vemos a nível de sociedade e a sociedade familiar! A pes-

soa aprende a conviver em grupo e aprende a ter uma noção

de valor a partir da sua família. Então, nós não podemos des-

prestigiar essa família porque e um ponto de sustentabilidade

na nossa sociedade." (Defensora da vítima do Juizado A)

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10 AUGUSTO. Idem, Ibidem.