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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 47-100, 2º sem. 2015
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5) Sexualidade contemporânea: a superação de uma con-
cepção binária
Num primeiro plano, o correto desenlace cognitivo dos termos sexo,
gênero e orientação sexual constitui meio necessário à compreensão do
alcance e da profundidade da Lei Maria da Penha, conferindo-lhe, a partir
de então, a eficácia outrora idealizada pelo bloco de convencionalidade,
com vistas a erradicar todas as formas de segregação decorrentes do binô-
mio inferioridade-subordinação, com base na distinção de gênero.
O conceito de sexo insere-se num contexto biológico, relacionado a
um padrão anátomo-fisiológico que, temperado ao longo da história por
razões morais, éticas e religiosas, consagrou o modelo dualista entre ho-
mem e mulher.
Por oportuno, ressalte-se, desde já, a insuficiência dessa bipartição,
na medida em que a existência de inúmeras afecções, como as síndromes
de Turner ou Klinefelter, atesta situações biológicas conflitantes entre a
aparência externa do órgão genital (fenótipo) e a identidade genético-
-cromossomial (genótipo), gerando casos isolados de transexualismo, her-
mafroditismo e pseudo-hermafroditismo, que destoam dos estereótipos
socialmente padronizados.
A questão do gênero apresenta um viés eminentemente psíquico, na
medida em que decorre de um processo de identificação e autorreconhe-
cimento do indivíduo dentro dos padrões sociais, culturais e políticos pre-
viamente estabelecidos pela coletividade.
Nesse sentido, explicita Adriana Maluf
1
:
“O gênero recebe uma construção sociológica, é um conceito mais
subjetivo, mais ligado ao papel social desempenhado pelo indivíduo do
que por suas características biológicas”.
Cuida-se aqui de uma rotulação individual, de ummapa-interno, forjado
a partir da definição interiorizada da própria pessoa que se projeta e interage
com a sociedade, como meio de autoafirmação e reconhecimento pessoal.
Na lição do sociólogo Stuart Hall
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