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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 47-100, 2º sem. 2015
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Com efeito, a Lei 11.340/06 estabeleceu avanços normativos de pri-
meira ordem, voltados para a correção de padrões socioculturais baseados
exclusivamente na obscura premissa de inferioridade da mulher perante o
homem, que, desde a antiguidade, era retransmitida a cada geração.
Por outro lado, a temática da diversidade sexual, como espectro das
liberdades individuais consagradas pelo pacto republicano, restou, numa
primeira impressão, dissociada da
ratio legis
que imprimiu o substrato teó-
rico-fundante do próprio arcabouço regencial especializado.
Nessa seara, o enfrentamento desta imperiosa questão redireciona,
de forma obrigatória, o operador do direito a uma releitura constitucional
da esfera de incidência destes dispositivos legais sobre os novos parâme-
tros de configuração familiar, mormente relacionados à homoafetividade.
4) Contextualização da violência doméstico-familiar: a dis-
tinção de gênero como standard de proteção normativa
No plano internacional, os principais diplomas legais
1
subscritos, em
sintonia com o artigo 226, § 8º, da Carta Magna
2
, abrigaram, como primor-
dial fundamento de validade, o preceito de liberdade da mulher contra
todas as formas de discriminação ou violência, a partir da exclusão de pa-
drões estereotipados de comportamento, costumes sociais e culturais, ba-
seados em conceitos de inferioridade e subordinação.
Buscou-se, enfim, desconstruir uma arcaica padronização cultural da
superioridade masculina, assim como desvelar a axiomática e estigmati-
zante dicotomia de funções sociais tipicamente masculinas ou femininas,
com vistas a aniquilar todas as moldagens de preconceito baseadas na
ideia de gênero.
Nesse prumo, a obscura premissa da supremacia varonil, enraizada
nos espaços de convivência interpessoal, propiciou um campo fértil para o
1
Decreto n° 4.377
de setembro de 2002, promulga a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discri-
minação contra a Mulher, de 1979 e
Decreto nº 1.973,
de agosto de 1996, promulga a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará (OEA), 1994.
2 Art. 226 § 8º CRFB/88. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.