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DEBATES JURISPRUDENCIAL
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015
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Tratamentos desiguais só se autorizam em situações de desigualda-
de, de forma que se possa compensar o desequilíbrio originado daquela
situação desigual. O tratamento desigual, estabelecido na Lei 11.340/2006,
só encontra amparo, repita-se, diante da efetiva presença da situação de
desequilíbrio e desproporcionalidade revelada em relacionamentos fun-
dados em uma discriminatória e opressiva posição de superioridade mas-
culina ditada pela ideologia patriarcal. Não fosse assim, a Lei 11.340/2006
padeceria de irremediável inconstitucionalidade.
Decerto, mesmo delimitada sua incidência a casos de configuração
de ‘violência de gênero’, a Lei 11.340/2006, no afã de estabelecer o maior
rigor penal como suposta forma de proteção das mulheres contra a dis-
criminação e a opressão resultantes de relações de dominação fundadas
na ideologia patriarcal, acabou por violar, em alguns de seus dispositivos,
normas constitucionais, notadamente a que consagra o próprio princípio
da isonomia. Por exemplo, quando excluiu a incidência da Lei 9.099/95 em
hipóteses de infrações penais retratando violência de gênero identificá-
veis como de menor ou médio potencial ofensivo (artigo 41). Ora, no que
concerne à dimensão de seu potencial ofensivo, uma infração penal re-
tratando ‘violência de gênero’ a que cominada pena máxima de dois anos
ou uma infração penal retratando ‘violência de gênero’ a que cominada
pena mínima igual ou inferior a um ano não se distingue de quaisquer ou-
tras infrações penais a que cominadas iguais penas máximas ou mínimas.
Todas se identificam, em sua igual natureza de infrações penais de menor
ou de médio potencial ofensivo, pela quantidade das penas que lhes são
abstratamente cominadas e todos seus apontados autores igualmente se
identificam na igualdade de condições e situações em que se encontram, a
todos, portanto, devendo ser assegurado tratamento penal equivalente
1
.
Alguns dos questionáveis dispositivos da Lei 11.340/2006 acabaram
até mesmo por paradoxalmente reafirmar a própria ideologia patriarcal.
Esse já era o caso da regra concernente à iniciativa da ação penal em hipó-
teses de pretensão punitiva fundada em alegados crimes de lesões corpo-
1 Sobre este ponto reporto-me ao que escrevi pouco depois da introdução da Lei 11.340/2006: “Violência de
gênero: o paradoxal entusiasmo pelo rigor penal”,
in
Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
nº
168, São Paulo, novembro 2006.