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DEBATES JURISPRUDENCIAL

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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015

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nova forma de convivência entre os gêneros, ainda subsistem resquícios

da ideologia patriarcal, da histórica desigualdade, da discriminatória posi-

ção de subordinação da mulher. Tais resquícios, naturalmente, se refletem

nas relações individualizadas e, mesmo onde registrados aqueles avanços,

é ainda alto o número de agressões de homens contra mulheres no âm-

bito doméstico, a caracterizar a chamada ‘violência de gênero’, isto é, a

violência motivada não apenas por questões estritamente pessoais, mas

expressando a hierarquização estruturada em posições de dominação do

homem e subordinação da mulher, por isso se constituindo em manifesta-

ções de discriminação.

É essa forma específica de violência – a violência de gênero, a se

constituir em manifestação de discriminação e a naturalmente pressupor

uma relação hierarquizada a se estruturar em posições de dominação do

homem e subordinação da mulher – que constitui a matéria tratada na bra-

sileira Lei 11.340/2006, assim como em sua inspiradora espanhola

Ley Orgá-

nica

1/2004

e em similares leis de outros países.

A pretendida aplicação das regras da Lei 11340/2006 a todos os ca-

sos em que mulher figure como apontada vítima de agressão por parte

de homem com quem se relacione afetivamente estaria, como acerta-

damente entendeu o acórdão ora comentado, a desvirtuar o sentido

daquele diploma legal.

Ao estabelecer o tratamento diferenciado diante do reconhecimen-

to das especificidades da ‘violência de gênero’, o legislador naturalmente

se amparou na constatação da situação de desequilíbrio e desproporciona-

lidade revelada em relacionamentos fundados na superioridade masculina

ditada pela ideologia patriarcal, situação essa que, em seu entender, esta-

ria a requerer a criação de mecanismos específicos com vistas a prevenir e

coibir tal manifestação específica de violência.

A pretendida aplicação das regras da Lei 11340/2006 a todos os casos

em que mulher figure como apontada vítima de agressão por parte de ho-

mem com quem se relacione afetivamente, desprezando a delimitação da

incidência do diploma especial – incidência essa necessariamente restrita

aos casos de configuração de ‘violência de gênero’ –, significaria instituir

uma ilegítima discriminação violadora do princípio da isonomia.