

u
DEBATES JURISPRUDENCIAL
u
u
Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015
u
.43
APLICABILIDADE DA ‘LEI MARIA DA PENHA’: A
CONFIGURAÇÃO DA ‘VIOLÊNCIA DE GÊNERO’
Maria Lucia Karam
Juíza de direito (aposentada)
Julgando os Embargos Infringentes nº 0376432-04.2008.8.19.0001,
em 2 de outubro de 2012, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro afirmou, por maioria, que a Lei 11.340/2006 (co-
nhecida como ‘Lei Maria da Penha’) não se estendia a hipótese de agres-
são a mulher que não se encontrasse em situação de vulnerabilidade e não
fosse hipossuficiente, exigindo a
ratio legis
que sua aplicação a casos de
violência intrafamiliar levasse em conta a relação de gênero diante da desi-
gualdade socialmente constituída.
Tratava-se de caso que alcançou certa repercussão dada a notorieda-
de dos envolvidos – atores renomados –, tendo o réu alegadamente agre-
dido fisicamente a apontada ofendida, em local público, em razão de con-
flito surgido no âmbito de relacionamento amoroso. Como destacado no
voto vencedor, da lavra do Desembargador Sidney Rosa da Silva, a aponta-
da ofendida, notoriamente, nunca fora “uma mulher oprimida ou subjuga-
da aos caprichos do homem”, assim não podendo ser “considerada uma
mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade”, o que estaria
a afastar a incidência da lei especial invocada pela Acusação, consequen-
temente afastando a competência de Juizado de violência doméstica e fa-
miliar para apreciar a causa, sendo sim competente Juízo criminal comum.
Comefeito, a
ratio legis
vinda no diploma focalizado, como bemanotado
no acórdão ora comentado, consiste na proteção das mulheres contra a dis-
criminação e a opressão historicamente resultantes de relações de dominação
fundadas na ideologia patriarcal e concretamente expressadas emmanifesta-
ções da, emmuitos casos, ainda subsistente desigualdade de gêneros.
Decerto, não obstante os significativos avanços, especialmente no
mundo ocidental, no sentido da afirmação e garantia dos direitos das mu-
lheres, da superação das relações de subordinação e da construção de