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Decisões
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ST
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p.159-214, 2º sem. 2015
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Vale dizer, franquear a via das ações de natureza cível, com apli-
cação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um mal
maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações intra-
familiares.
Na verdade, a Lei Maria da Penha, ao definir violência doméstica
contra a mulher e suas diversas formas, enumera, exemplificadamente, es-
pécies de danos que nem sempre se acomodam na categoria de bem ju-
rídico tutelável pelo direito penal, como o sofrimento psicológico, o dano
moral, a diminuição da autoestima, manipulação, vigilância constante, re-
tenção de objetos pessoais, entre outras formas de violência (arts. 5º e 7º).
Nesse sentido, confira-sea liçãodeMaria Berenice Dias sobreo tema:
A violência doméstica normatizada pela Lei Maria da Penha
não guarda correspondência com qualquer delito tipificado
no Código Penal. A Lei primeiro identifica as ações que con-
figuram violência doméstica ou familiar contra a mulher (art.
5º): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial. Depois define os espaços onde o
agir configura violência doméstica (art. 5º, I, II e III): no âmbito
da unidade doméstica, da família e em qualquer relação de
afeto. Finalmente, de modo didático e bastante minucioso,
são descritas as condutas que configuram violência física,
psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
As formas de violência elencadas deixam evidente a ausên-
cia de conteúdo exclusivamente criminal no agir do agres-
sor. A simples leitura das hipóteses previstas na Lei mos-
tra que nem todas as ações identificadas como violência
doméstica correspondem a delitos. Configuram um ato
ilícito, pouco importa se ilícito penal ou civil. [...]
Assim, é possível afirmar que a Lei Maria da Penha consi-
dera violência doméstica as ações que descreve (art. 7º)
quando levadas a efeito no âmbito das relações familiares
ou afetivas (art. 5º). Essas condutas, mesmo que sejam reco-
nhecidas como violência doméstica, nem por isso tipificam
delitos com possibilidade de desencadear uma ação penal.