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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 16 - n. 1, p. 42-55, 1º sem. 2018
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que envolve determinadas pessoas e consegue identificar todo o enorme
sofrimento, a dor, a angústia, o tormento que agridem essa pessoa.
O terceiro passo, este verdadeiramente revolucionário, ocorre quan-
do o juiz, reconhecendo que é um poder de Estado, fundamentado na
Constituição, percebe que pode acabar com o sofrimento das pessoas que
lhe chegaram pedindo a prestação jurisdicional, pedindo justiça.
Há inúmeros magistrados no TJRJ que já atravessaram esse trajeto,
embora outros tantos ainda não consigam caminhar.
E é difícil tecer uma crítica no âmbito desse processo que é, em
verdade, um processo de amadurecimento jurídico.
Mas o fato é que, enquanto juízes e tribunais discutem posições teó-
rico-retóricas, sobre se a questão de os pedidos de pessoas trans de mu-
dança de nome seria da competência das Varas de Família ou das Varas de
Registros Públicos, quem veio tentar garantir seu direito à diferença, e de
ser quem é, continua em intenso sofrimento.
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Enquanto a magistratura discute se o termo correto a ser usado é
“sexo” feminino oumasculino, ou se seria “gênero”masculino ou feminino, as
6 Ademais, segundo a melhor doutrina, a questão já estaria pacificada, sendo a competência das Varas de Regis-
tros Públicos. A respeito, confira-se trecho do artigo escrito pelo Professor de Direito Civil e Desembargador do
TJRJ, Marco Aurélio Bezerra de Melo: “Já com relação às Varas de Família, estabelece o art. 85 do CODJERJ um
extenso rol de matérias submetidas à sua competência, sendo certo que a matéria aqui tratada não está incluída
expressamente em nenhuma das hipóteses ali elencadas. Entendemos, outrora, que diante dessa lacuna, seria
essa a competência correta por se tratar de ação de alteração de estado, mas revemos nossa posição[4], pois
os estudos sobre a designação do sexo mostram que na realidade o requerente postula em juízo tão somente a
retificação do seu registro pela desconformidade entre o sexo biológico e o psicológico, sendo então um feito
que guarda relação direta e imediata com o registro público de nascimento. Não há alteração do estado pela
identificação do sexo masculino ou feminino que se pretende afirmar, mediante a análise circunstanciada que o
juízo fará das provas apresentadas. Destarte, afastando-se a competência comum das Varas Cíveis e diante da
lacuna do CODJERJ, parece-nos que as Varas de Registros Públicos atraem a competência para julgar as ações
de alteração de identidade de gênero, especificamente em relação ao sexo e ao nome, tendo aplicação o artigo
109 da Lei 6.015/73, que assim reza: “quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no
Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou indicação de testemunhas,
que o juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de 5 (cinco) dias, que cor-
rerá em cartório.”. Concluindo, temos que o estado da arte na medicina e nos demais ramos afins das ciências
humanas estão a indicar que a identidade do gênero no caso de transexualidade é típico caso de retificação
registral sem litigiosidade a fim de compatibilizar, para o bem da dignidade humana, o sexo psicológico com
a certidão de nascimento do cidadão(ã). MELO, Marco Aurélio Bezerra de
et alli. Notas sobre competência nas
ações de alteração de identidade de gênero por transexualidade
. Direito em Movimento, vol. 27. Rio de Janeiro:
Emerj. – 1º semestre/2017.