

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 22 - 38, Janeiro/Abril 2018
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Essa perspectiva fecundada em notáveis obras doutrinárias – no Bra-
sil, pelos aclamados José Carlos Barbosa Moreira e Leonardo Greco; na Espa-
nha e Itália, por Juan Montero Aroca
7
, Franco Cipriani, Joan Picó i Junoy e
Girolamo Monteleone –, sempre buscou compreender os limites da atuação
dos “personagens do processo”
8
, delimitar as funções dos órgãos judiciais ao
longo do
iter
processual e vaticinar a (in)existência de traços autoritários na
outorga reforçada de poderes aos magistrados.
Os juristas denominados
publicistas
de aqui e alhures (
e.g.
, José Car-
los Barbosa Moreira, Giovanni Verde, Joan Picó i Junoy, dentre outros) afir-
mam que o processo não pertence às partes. O Estado-Juiz, titular da função
jurisdicional, vale-se da atividade processual como mecanismo de pacifica-
ção social e solução justa de litígios. À luz da concepção publicística, os
mecanismos destinados à marcha regular do processo seriam característicos
do juiz, resultando em um cenário de tutela paternalista do Estado regido
pela prevalência do interesse público, pela oralidade e pelo ativismo judicial
em matéria probatória.
Por sua vez, os
privatistas
, a exemplo dos ilustres Juan Montero Aroca
e Franco Cipriani, sustentam a primazia da autonomia da vontade das partes
em relação à atividade de condução e de instrução probatória. Os cognomi-
nados “
revisionistas
”, entreviam no fortalecimento de iniciativas do juiz no
curso do processo
9
traços autoritários do ordenamento jurídico-processual e
subordinação inaceitável das partes aos poderes do magistrado
10
.
No Brasil, a evolução cultural e ideológica da teoria processual rela-
cionou-se não só com a influência doutrinária europeia, bem como com a
trajetória política do século XX, resultando em um processo de codificação
reconhecidamente publicista
11
do Código de Processo Civil de 1939.
7 AROCA, Juan Montero.
Proceso Civil e Ideología: um prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos
. Valência: Ed. Tirant lo
Blanch, 2006.
8 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro.
A Ética e os Personagens do Processo. Revista Forense
. Rio de Janeiro: Forense, v. 358, 2001.
9 GRECO, Leonardo.
Publicismo e Privatismo no Processo Civil
. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano
33, nº 164, out. 2008.
10 Para uma síntese das posições privatistas do processo, veja-se PICÓ I JUNOY, Joan.
El Derecho Procesal entre el Garan-
tismo y la Eficacia: Un Debate Mal Planteado. In: Proceso Civil e Ideología: um prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos
, Juan
Montero Aroca (Coord.), Valência: Ed. Tirant lo Blanch, 2006, pp. 109-127.
11 Isso ficou explicitado na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1939, na qual foram arroladas as dire-
trizes publicistas que orientaram os trabalhos da Comissão de juristas responsável pelo texto do Anteprojeto: “O primeiro
traço de relevo na reforma do processo haveria, pois, de ser a função que se atribui ao juiz. A direção do processo deve
caber ao juiz; e a este não compete apenas o papel de zelar pela observância formal das regras processuais por parte dos
litigantes, mas o de intervir no processo de maneira que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigação dos
fatos e descoberta da verdade. (...). Prevaleceu-se o Código, nesse ponto, dos benefícios que trouxe ao moderno direito
processual a chamada concepção publicística do processo. Foi o mérito dessa doutrina, a propósito da qual deve ser lem-
brado o nome de Giuseppe Chiovenda, ter destacado com nitidez a finalidade do processo, que é a atuação da vontade