

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 10 - 21, Janeiro/Abril 2018
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Como bem observou o Professor Cahali, nem todos os que “festejaram aque-
les precedentes” se advertiram das consequências de suas premissas…
3. A formação de nova jurisprudência.
Alguns julgamentos ocorridos no segundo semestre de 2014 e no iní-
cio de 2015 subverteram a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
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O Ministro João Otávio de Noronha, que, na 4º Turma, fora voto vencido
num dos precedentes de 2009,
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desempenhou papel destacado na constru-
ção e consolidação do novo entendimento: foi dele o primeiro voto diver-
gente, no âmbito da 3º Turma, no REsp. nª 1.346.324-SP e, na 2º Seção, foi
dele o primeiro voto divergente no REsp. nª 1.382.170-SP, tendo assumido,
em ambos os casos, a redação do acórdão majoritário.
Os acórdãos e votos que formaram a expressiva maioria, em cada uma
daquelas oportunidades, reconheceram que, no sistema do vigente Código
Civil, o cônjuge é,
sempre
, herdeiro necessário, “qualquer que seja o regime
de bens adotado pelo casal”;
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que a separação obrigatória, mencionada no
art. 1.829, nª I, é apenas aquela de que trata o art. 1.641; que os casos em que
o cônjuge não concorre com descendentes devem ser interpretados restriti-
vamente, por se cuidar de
exceções
, não sendo lícito ao intérprete “restringir
onde a lei não excepcionou”;
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que o pacto antenupcial não produz efeitos
nota nº 75 (onde a autora, ao menos
de lege ferenda
, critica a “invasão à esfera privada” que o Código Civil teria promovido,
no art. 1.829, nº I, e que “só tende a repetir-se” na hipótese do nº II). A irrelevância do regime de bens, nas hipóteses
dos nºs II e III do art. 1.829, é reconhecida por vários civilistas: MARIA BERENICE DIAS,
Manual das Sucessões
, p.
171; GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA,
Comentários ao Código Civil
, v. 20, pp. 220 e 238-239;
FRANCISCO JOSÉ CAHALI,
Direito das Sucessões
, p. 202; FLÁVIO TARTUCE,
Direito Civil
, vol. 6, pp. 217 e 220;
ZENO VELOSO,
Direito Sucessório dos C
ônjuges, p. 38; LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO,
Direito das Sucessões
, pp.
335 e 384; SALOMÃO CATEB,
Direito das Sucessões
, pp. 111 e 113. Ao votar, como Relator, no REsp. nº 954.567-PE (j.
10.05.2011), o Ministro Massami Uyeda observou que “em nenhum momento o legislador condicionou a concorrência
entre ascendentes e cônjuge ao regime de bens adotado no casamento, ao contrário do que fora disposto no inciso I do
art. 1.829 do Código Civil (…)”. Em voto-vista, a Ministra Nancy Andrighi repetiu o argumento.
22 REsp. nº 1.346.324- SP, 3ª Turma, Rel. p/acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 19.08.2014; REsp. nº 1.430.763-
SP, 3ª Turma, Rel. p/acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 13.11.2014; REsp. nº 1.472.945-RJ, 3ª Turma, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 23.10.2014; REsp. nº 1.382.170-SP, 2ª Seção, Rel. p/acórdão Min. João Otávio de Noronha,
j. 22.04.2015.
23 REsp. nº 1.111.095-RJ. Leia-se o trecho relevante: “Importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao
direito de herdar em razão do regime de casamento ser o da comunhão universal ou parcial, ou de separação obrigatória,
não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não obrigatório
, até porque o cônjuge casado sob tal regime,
bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em
tese,
ficaria sem quaisquer bens, sem amparo
, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar, (em razão da presença de
descendentes) ainda não haveria bens a partilhar”. Concluiu o Ministro Noronha que, na hipótese ali examinada, a viúva,
com o advento do Código Civil de 2002, “passou à categoria de herdeira necessária, mesmo diante do pacto antenupcial
de regime de separação de bens” (destaquei).
24 Ementas dos REsp’s nºs 1.346.324-SP, 1.430.763-SP e 1.382.170-SP (item nº 1).
25 Ementa do REsp. nº 1.472.945-RJ (item nº 7).