Background Image
Previous Page  152 / 432 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 152 / 432 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 143 - 158, Maio/Agosto. 2017

152

vê a ditadura romana como a suspensão do direito para a manutenção do

próprio direito. O estado de exceção é “o não direito”.

Para Agamben, o estado de exceção é a abertura de um espaço em

que aplicação e norma mostram sua separação, e em que uma pura força

de lei (lei riscada) realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja

aplicação foi suspensa.

Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e a con-

sequente constituição do âmbito norma, é operada sob a forma da ex-

ceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isto significa dizer que,

para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua

aplicação, produzir uma exceção.

Em todos os casos, o estado de exceção marca o patamar, onde a lógi-

ca e a práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem

logos

pretende

realizar um enunciado sem nenhuma referência real (2004:63).

O certo é que os poderes do ditador temporário romano não se ex-

plicam fora de suas características religiosas e populares. Daí a dificuldade

de compará-los com os modernos estados de sítio ou de emergência para

enfrentar guerras ou conflagrações internas, com a suspensão dos direitos e

das garantias, tal como pretende Agamben. A comparação permitida, sem o

cometimento de anacronismos, limita-se a concentração do

imperium

nos

períodos de exceção nas mãos de uma só pessoa, com a suspensão do orde-

namento jurídico vigente.

A ditadura temporária romana representava a suspensão do

impe-

rium,

da

potestas

dos magistrados e do Senado para concentrá-los em uma

pessoa que tinha como missão restabelecer a ordem suspensa. Esta ideia não

se coaduna, tampouco, com a ditadura perpétua pretendida pelos generais

romanos. A primeira suspende a ordem jurídica e política para protegê-la tal

como preestabelecida, na segunda forma de ditadura, a ordem é substituída

por uma nova, restabelecendo a autoridade do Estado de forma permanente.

Ao longo do debate sobre a formação do estado moderno, como ve-

mos, recorre-se aos exemplos romanos e, dentre eles, ao instituto próprio de

proteção da república através de medidas excepcionais adotadas temporaria-

mente pelo ditador nomeado pelo Senado, sobretudo quando se trata dos

estados de sítio e de emergência.

Para se entender esta ditadura “constitucional” e diferenciá-la da

ditadura permanente, da realeza e do próprio império, é preciso compre-

ender a formação de Roma, como vimos no início. Suas bases religiosas e