

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 143 - 158, Maio/Agosto. 2017
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vê a ditadura romana como a suspensão do direito para a manutenção do
próprio direito. O estado de exceção é “o não direito”.
Para Agamben, o estado de exceção é a abertura de um espaço em
que aplicação e norma mostram sua separação, e em que uma pura força
de lei (lei riscada) realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja
aplicação foi suspensa.
Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e a con-
sequente constituição do âmbito norma, é operada sob a forma da ex-
ceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isto significa dizer que,
para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua
aplicação, produzir uma exceção.
Em todos os casos, o estado de exceção marca o patamar, onde a lógi-
ca e a práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem
logos
pretende
realizar um enunciado sem nenhuma referência real (2004:63).
O certo é que os poderes do ditador temporário romano não se ex-
plicam fora de suas características religiosas e populares. Daí a dificuldade
de compará-los com os modernos estados de sítio ou de emergência para
enfrentar guerras ou conflagrações internas, com a suspensão dos direitos e
das garantias, tal como pretende Agamben. A comparação permitida, sem o
cometimento de anacronismos, limita-se a concentração do
imperium
nos
períodos de exceção nas mãos de uma só pessoa, com a suspensão do orde-
namento jurídico vigente.
A ditadura temporária romana representava a suspensão do
impe-
rium,
da
potestas
dos magistrados e do Senado para concentrá-los em uma
pessoa que tinha como missão restabelecer a ordem suspensa. Esta ideia não
se coaduna, tampouco, com a ditadura perpétua pretendida pelos generais
romanos. A primeira suspende a ordem jurídica e política para protegê-la tal
como preestabelecida, na segunda forma de ditadura, a ordem é substituída
por uma nova, restabelecendo a autoridade do Estado de forma permanente.
Ao longo do debate sobre a formação do estado moderno, como ve-
mos, recorre-se aos exemplos romanos e, dentre eles, ao instituto próprio de
proteção da república através de medidas excepcionais adotadas temporaria-
mente pelo ditador nomeado pelo Senado, sobretudo quando se trata dos
estados de sítio e de emergência.
Para se entender esta ditadura “constitucional” e diferenciá-la da
ditadura permanente, da realeza e do próprio império, é preciso compre-
ender a formação de Roma, como vimos no início. Suas bases religiosas e