

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 96 - 130, jul. - set. 2016
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Após salientar que, se fosse real o “unappeasable appetite” para o
litígio, o aumento no número de processos deveria se verificar de forma
generalizada, Galanter demonstra que o impacto da sociedade de massas
nos
caseloads
se deu de forma díspare. Com efeito, apenas alguns campos
temáticos sofreram um impacto significativo dos novos fenômenos sociais,
econômicos e políticos. Assim,
v.g.
, nas Cortes Federais, entre 1975 e 1984,
enquanto os casos de
products liability
aumentaram 272%, as demais cate-
gorias insertas no
tort filings
tiveram um modesto acréscimo de 17%.
50
Lado outro, os casos de
recovery of overpayment
e
social securi-
ty
recrudesceram, respectivamente, 6.682,7% e 412,9% nesse período,
representando, somados, mais de 50% do acréscimo geral de processos.
Galanter, a propósito, faz a seguinte observação:
"Half of the total increase is accounted for by two giant in-
creases – recovery cases and social security cases. Each is the
result of deliberate and calculates official policy: to recover
overpayment of veterans’ benefits by litigation and to curtail
disability benefits by summarily removing beneficiaries from
the rolls."
51
À luz desses dados, Mattei sustenta que, malgrado os entusiastas
do
ADR
o apresentarem como uma solução para a
explosão da litigiosida-
de
, a informalização da justiça está vinculada às tendências neoliberais.
Segundo sua linha de exposição, a partir dos anos 80 muitos países
reduziram os investimentos em acesso à justiça como parte do processo
de desmantelamento do Estado-Providência. Os cortes orçamentários,
dessa forma, não se restringiram apenas à saúde, educação e moradia.
Intuiu-se que, se o objetivo era a derrogação dos direitos que socorrem
aos mais necessitados, dever-se-ia restringir a porta de acesso ao Judi-
ciário. Em outras palavras: o direito à proteção jurídica, cuja denegação
acarreta a de todos os demais - e, por isso, qualificado como um
direito
charneira
52
- foi agarrotado:
50
Ibidem
, p. 21.
51
Ibidem
, p. 17. A afirmação do autor pode ser corroborada por dados oriundos de outra obra de sua autoria:
"
Why the “haves” come out ahead? Speculations on the limits of legal change".
Law and Society Review
v. 9, 1974,
p. 106/107.
52 A expressão é da lavra de Boaventura de Souza Santos ("Introdução à sociologia da administração da justiça".
Revista de Processo
nº 37, jan.-mar./1985, p. 125).