

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 203 - 219, jan. - mar. 2016
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o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher de motivo ime-
diato do crime, independentemente do cenário fático-objetivo no qual
o evento macabro se desenvolveu. Efetivamente, o contexto objetivo de
violência de gênero é aquele reportado pelo art. 5º da Lei Maria da Penha
e que caracteriza o feminicídio executado nas condições do § 2º-A, inciso
I. Em qualquer outro contexto, haverá feminicídio se o móvel do delito foi
simplesmente o menosprezo ou a discriminação a que se refere o inciso
II. Adotada essa premissa, infere-se que a qualificadora atinente ao femi-
nicídio, identificada a hipótese do § 2º-A, inciso II, tem natureza subjetiva
e, portanto, nesse caso, incompatível com o privilégio. De outra banda, a
torpeza é inerente à própria conduta movida pelas razões em debate e,
de outro lado, repele a ideia de futilidade. O feminicídio, nesse âmbito de
discussão, poderia se conjugar com as qualificadoras objetivas de meio
e de modo de execução (CP, art. 121, § 2º, incisos III e IV), mas não com
aquelas indicativas de outros motivos diretos do delito (CP, art. 121, § 2º,
incisos I, II e V). Na medida em que as causas de diminuição de pena são
votadas antes das qualificadoras pelo Conselho de Sentença, por força do
art. 483 do Código de Processo Penal, o acolhimento de tese de homicídio
privilegiado implicará em prejuízo do quesito corresponde à ocorrência
de feminicídio se se cuidar de crime formatado à luz do art. 121, § 2º-A,
inciso II, do Código Penal.
A solução é diferente na hipótese de feminicídio decorrente de
violência doméstica ou familiar, como já apontamos acima. A natureza
da qualificadora em testilha, na forma há pouca defendida, implica em
desdobramentos nas hipóteses de concurso de pessoas diante da regra
inserta no artigo 30 do Código Penal. Nesse trilho, o coautor ou partícipe
de feminicídio responderá pela figura qualificada se o delito for cometido
em contexto de violência doméstica ou familiar, por certo, desde que o
predito cenário tenha ingressado na sua esfera de conhecimento. De ou-
tro lado, a conduta movida pelo menosprezo ou simples discriminação à
condição de mulher – circunstância de caráter pessoal – não se comunica
ao coautor ou partícipe. Este, impelido pela mesma razão, concorre no
feminicídio por motivo próprio e não por conta das regras de comunicabi-
lidade previstas no artigo 30 do Código Penal. Por outro turno, se o con-
corrente, motivado pela sede de vingança derivada de altercação anterior
com a ofendida, instigou terceiro a matá-la e este, movido apenas pelo
sentimento de desprezo à condição de mulher, efetivamente executou o