

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 203 - 219, jan. - mar. 2016
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Se, de um lado, decorre daí a pertinência da nova Lei (uma vez que
aniquila a controvérsia antes existente), por outro, demonstra que ela
apenas tratou de especificar situações que configurariam o motivo torpe
(ou fútil, como preferem alguns). Portanto, a legislador tratou de destacar
uma ideia que já se encontrava na estrutura da qualificadora do homicí-
dio. Teríamos, assim, o motivo torpe genérico e o motivo torpe específico
(feminicídio). Nesse sentido é o entendimento de Rogério Sanchez Cunha
e Ronaldo Batista Pinto
10
. Para os autores,
“Antes da Lei 13.104/2015, esta forma do crime já qualificava o ho-
micídio, mas pela torpeza [...]. A mudança, portanto, foi meramente tipo-
gráfica, migrando o comportamento delituoso do art. 121, § 2º, I, para o
mesmo parágrafo, mas no inc. VI. A virtude dessa alteração está na sim-
bologia, isto é, no alerta que se faz da necessidade de se coibir com mais
rigor a violência contra a mulher em razão da condição do sexo feminino.”
2º arrazoado: Nem todo femicídio (morte de uma mulher) é um fe-
minicídio (morte de umamulher por razões da condição do sexo feminino)
O que faz com que o assassinato de uma mulher seja considerado
feminicídio é exatamente a motivação do delito. É a motivação do crime
que torna o ato mais reprovável, exigindo, decorrentemente, que a puni-
ção seja condizente com o fato. Todo o homicídio tem o mesmo desvalor
do resultado (morte de uma pessoa), porém, o desvalor da ação pode
ser maior ou menor, conforme a situação. A ação de matar em razão de
relevante valor social (CP, art. 121, § 1º) é menos desaprovada que aquela
motivada, por exemplo, pela torpeza do agente (CP, art. 121, § 2º, I). A
qualificadora do feminicídio, portanto, busca conciliar a gravidade do fato
com a dimensão da pena a ser imposta ao feminicida.
A principal consequência do presente raciocínio é a seguinte: uma
vez comprovada a qualificadora do feminicídio, não se pode mais invocar,
por exemplo, o motivo torpe: uma mesma circunstância não pode ensejar
duas valorações jurídicas (está proibido o
bis in idem
). No momento da
quesitação, portanto, o juiz deve submeter aos jurados, primeiramente, o
quesito da qualificadora do feminicídio; sendo ela acatada pelo Conselho
de Sentença, sobraram prejudicadas, sob pena de
bis in idem
, as demais
10 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista.
Violência doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo
por artigo.
6. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 80.