

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 203 - 219, jan. - mar. 2016
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sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar, me-
nosprezo ou discriminação à condição de mulher”) são de caráter subjeti-
vo, uma vez que representam a motivação da ação homicida.
A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Uma hipó-
tese: mulher usa minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou na-
morado a mata. E mata-a por uma motivação aberrante, a de presumir
que a mulher deve se submeter ao seu gosto ou apreciação moral, como
se dela ele tivesse posse, reificando-a, anulando-lhe opções estéticas ou
morais, supondo que à mulher não é possível contrariar as vontades do
homem. Em motivações equivalentes a essa há uma ofensa à condição de
sexo feminino. O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino, ou
do feminino exercendo, a seu gosto, um modo de ser feminino. Em razão
disso, ou seja, em decorrência unicamente disso. Seria uma qualificadora
objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio de execução do crime. A
violência de gênero não é uma forma de execução do crime; é, sim, sua
razão, seu motivo.
Como reforço de tal entendimento, são trazidos, ainda, os seguin-
tes arrazoados:
1º arrazoado: As três situações que configuram feminicídio já es-
tavam contempladas na legislação brasileira
A rigor, o feminicídio já poderia (e, em alguns casos, já era) classi-
ficado como crime hediondo. Afinal, não há como negar torpeza na ação
de matar uma mulher por discriminação de gênero (matar uma mulher
porque usa minissaia, ou porque não limpou corretamente a casa, ou
porque deixou queimar o feijão, ou porque quer se separar, ou porque
depois de separada iniciou outro relacionamento amoroso etc.). Mas esse
entendimento não era uniforme. Quando se tratava por exemplo de crime
motivado pelo ciúme, doutrina e jurisprudência oscilavam em torno de
três distintas interpretações:
O ciúme configura homicídio qualificado pelo motivo torpe
O ciúme configura homicídio qualificado pelo motivo fútil
O ciúme não qualifica o homicídio