

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015
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em seu tempo antecipado, em si e
não
fora de si
. Um futuro real, preso à
cadeia presente da Totalidade, significaria um germe de destruição ime-
diata da Totalidade mesma, a promulgação de sua absoluta in-definição.
Porém, o tempo do Outro não é o tempo da Totalidade. O seu sen-
tido não se estabelece por uma sua qualquer ordenação na dinâmica
sincronizadora da
Aufhebung
, que se encontrou aqui e agora, e somente
aqui e agora. O sentido do tempo do Outro consiste justamente em não
pertencer ao tempo do Mesmo
,
em não se ordenar segundo a lógica do
Mesmo.
A presença do Outro ao Mesmo somente se pode dar em sua au-
sência na cronologia do Mesmo
. Os tempos do Mesmo não esclarecem o
tempo do Outro. A atualidade do presença do Outro nega sua atualização
na presença do Mesmo. Em outras palavras:
a Totalidade não tem tempo
suficiente para esclarecer o tempo absolutamente Outro; o tempo da pre-
sença do Outro é “a um tempo” perfeitamente presente e totalment
e
au-
sente
. É sempre
tarde demais
para que se possa corresponder totalmente
à dignidade do Outro que se oferece pelo Olhar; é sempre
cedo demais
,
para que se possa perceber totalmente a grandeza da inauguração ética
significada pela presença do tempo do Outro. O tempo do Outro é um
passado absolutamente imemorial
, o “passado que nunca foi presente”
levinasiano, que aponta para um
futuro indivisável
, um futuro que está
sempre adiante de toda sincronia do aqui e agora; este é o fulcro da
espe-
rança
de uma
dia-cronia verdadeira
.
VII.
Esse “passado imemorial e intolerável ao pensamento”
11
pos-
tula assim uma ideia de passado que é mais antiga que este conceito
mesmo, pois não retrojeta o presente ao já acontecido, mas reserva ao
passado seu próprio tempo. É o passado absoluto, aquilo que é anterior a
qualquer lógica de atualização. Se o Olhar é “significação sem contexto”
12
,
o seu tempo é um
tempo sem referência temporal
: diacronia de um en-
contro, tempo traumático para quem encontra o que não se divisa em seu
horizonte. A memória do mesmo não alcança este passado pré-memorial,
esta vida
antes
da vida da Totalidade, transcendência “passada”
.
O Olhar do outro concentra em si, por outro lado, todo seu passado
antiquíssimo de uma só vez, em um convite traumático, um convite tão
intenso eticamente
que nunca se deu antes,
um convite ao futuro absolu-
11 LEVINAS, E.
Autrement qu’être ou au-delà de l’essence
, Den Haag, 1974, p. 192.
12 LEVINAS, E.
Ethique et Infini,
Paris, 1986, p. 111.