

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015
100
da razão autossuficiente do cogito e de seus disfarces de todas as épocas.
Verdade é, agora, a inadequação radical da razão com o que acontece,
o desafio ético do Olhar sem contexto, dependurado no abismo não ex-
plicável - bem como o que então se pode suceder, a resposta possível à
exigência ética. A razão não precisa mais saber a verdade das coisas - o
que, no fundo
,
sempre soube, congenitamente - mas precisa saber a
ver-
dade da inadequação
entre a Coisa Outra e seus próprios limites racionais
ou racionalizáveis. O espaço da verdade ética não é nem uma consciên-
cia transcendental em sua reflexividade ou o sítio de uma guerra na qual
surge a verdade do Ser, e sim a possibilidade de um futuro propriamente
futuro. A verdade ética nunca se deu, ou seja: nunca pôde ser esvaziada
de sua realidade ao ser pensada.
X.
A justiça para com o absolutamente Outro não é uma questão
de justiça para com iguais, de mesmo porte, mas sim o
reconhecimento
fático da assimetria original
. Ela se baseia faticamente no dado,
dar-se
à ética
, que o Outro expressa em si mesmo, fora da proporção, em sua
expressão
. Toda figuração dessa expressão na justiça positiva chega
tarde
demais
, é
des
-figuração, é a des-figuração imposta pelo grande aparato
jurídico todo-poderoso ao fraco violentado em sua diferença e alçado à
pretensa condição de altivo sujeito burguês cercado de possibilidades de
liberdade e escolha. A expressão do Outro é ser outro propriamente dito.
Ela se constitui, ainda na multiplicidade dos Outros, um Unicum, um ab-
soluto; eis o paradoxo da unidade e da multiplicidade. O Outro é sempre
um recém-chegado, um
estrangeiro
, ele não fala a linguagem do país, a
linguagem da Totalidade, que baseia as induções e deduções que tecem a
teia tradicional da justiça positiva. É sua
unicidade
, sua singularidade, sua
impossibilidade de ser substituído, que é sua linguagem, negação radical
da exploração, pois “a substituição dos homens uns pelos outros, desres-
peito original, torna possível a exploração propriamente dita. Na história
- história dos Estados - o ser humano aparece como o conjunto de suas
obras - vivo, ele é sua própria herança”
21
. A generalização proposta pelos
modelos de justiça positivada, a multiplicação dos Únicos, raiz de toda
exploração, é a totalização desmascarada no terreno onde se poderia su-
por que ela estivesse totalmente ausente, é o flagrante da sustentação da
exploração capitalista do homem e da natureza pelo homem nos locais
21 LEVINAS,
Totalité et Infini
, p. 274.