

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015
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onde pretensamente se criam mecanismos para evitar os abusos mesmos
desta exploração. A percepção disto possibilita a percepção do núcleo de
uma nova antropologia, onde a dignidade do pequeno e do fraco não es-
teja presente por uma concessão especial da “justiça”, e sim que seja a
base absoluta
da justiça. A justiça – a “loucura pela justiça”, nos passos de
Derrida – é o pensamento primeiro.
A crítica levinasiana ao projeto iluminista de uma liberdade cuja
instância de legitimação repousa nela mesma é talvez um dos aspectos
mais conhecidos de sua obra. Esse modelo de liberdade é a regra do jogo
totalizante, exercício de poder livre puro e simples. Ele não permanece
uma descrição literária, mas pulsa ao longo da história da humanidade. A
História da totalização é a história de uma liberdade em desdobramento
que se legitima por este desdobramento mesmo.
Entre Totalidade e liberdade existe assim uma identificação: a To-
talidade somente pode ser “total”, ou seja, absoluta, quando é também
perfeitamente
livre
; e a liberdade em sentido estrito só pode ser
total
.
Esta mutualidade reflexiva não significa, no fundo, mais do que passos
diversos, interpenetrantes, da história da totalização da Totalidade.
Esta identificação “Liberdade=Totalidade” conduz, além disso, à re-
lação antiga entre poder e saber. É necessário ser
livre
, para
poder
saber
;
é necessário
saber
, para
poder
; é necessário
poder
, para exercer a
liberda-
de
na circularidade ininterrupta do processo de totalização.
Uma nova ideia de liberdade habita, porém, a reflexão sobre o
in-
tervalo
– o abismo – entre o Mesmo e o Outro. É na
intersecção ética pos-
sível
entre dois espaços absolutamente separados e diferentes - na ideia
mesma de um “encontro” - que surge a impossibilidade da totalização.
Essa impossibilidade é o núcleo da nova ideia de liberdade. Ela se mate-
rializa na crítica da autolegitimação da liberdade burguesa
qua
crítica da
tautologia original das liberdades autojustificantes. “A presença do Outro
não coloca em questão a legitimidade ingênua da liberdade?”
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Onde repousaria, em última análise, a autolegitimação da liberda-
de? Em sua infinitude? Mas sua essência não mostra sem esforço estar
contida nos limites da Totalidade para si mesma necessariamente fini-
ta, conforme acima visto? Chegará então a liberdade por vez primeira à
consciência de seus limites, ao se perceber total, contrariando sua lógi-
ca interna que postula indiretamente, por seu desenvolvimento, que “o
22 LEVINAS, E,
Totalité et infini,
p. 280.