

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015
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propriamente desejado. Um desejo que
se lança para além do horizonte
,
“saudade de um país onde não nascemos”
13
. Desordenação do espaço
que abre as portas a um espaço cujo conteúdo de realidade consiste
em
ser invisível para a visibilidade da luz reinante
de meu poder ontológico.
Desejo
por definição
sem satisfação, insatisfação desejante. Eis o último
paradoxo do desejo: no tempo pós-industrial da troca universal, no tempo
da “globalização” violenta promulgado pelo ser vencedor, da miséria e do
progresso, do pragmatismo e do absolutismo do dinheiro, existir
ainda
como desejo,
levar a sério o tempo do Outro, um Outro tempo
. Crença na
Utopia apesar das “utopias de não ter mais utopias”, apesar das conver-
gências espaciais e temporais ingenuamente iluministas, apesar
de tudo
:
eis o Desejo. Crer na paz em estado de guerra, contradizendo também a
regra de ouro “
si vis pacem, para bellum
”; crer no futuro
durante a queda
no abismo, “folle prétention à l’invisible”
14
: eis o Desejo. Em uma época
em que um certo “structuralisme cérébral” procura conectar os últimos
segmentos de uma grandiosa rede de realidades “neutras”, em que se
trabalha para uma totalidade onipresente,
de todas
as direções surgindo e
a todas
as direções se dirigindo, surge o desejo primariamente como uma
reserva de coragem contra a desesperança anestésica, respirável, que se
mostra tão evidente no dia a dia frenético de subserviência ao
status quo
,
“o desejo deseja para além de tudo o que pode se completar”
15
.
IX.
Expressa-se então “A indiscrição do Dito e o Dizer indizível
16
. Ao
Dito indiscreto, sempre “já dito”, que refere os termos e os sentidos no
verbo - onde se cruzam as palavras que vão e vêm e de onde estas pala-
vras retomam seu sentido esclarecido -, a este Dito que
desde sempre já
disse a primeira palavra
, que
não tem
tempo e
não dá
tempo a uma pala-
vra realmente
aberta
, contrapõe-se pelo Outro um Dizer “cuja significação
avança para além do Dito”
17
,
antes
e
depois
do Dito, onde cabem até
as
palavras nunca ditas
, que se perderam na história:
presença dos ausen-
tes
, “ecos das vozes que emudeceram”, diacronia. O Dizer, verbo puro, é
a palavra original do Outro, é o infinito passado que fala, é a palavra que
mostra não poder haver nenhum poder de memória capaz de trazer a an-
13 LEVINAS, E.
Totalité et Infini
, p. 3.
14 LEVINAS, E
. Totalité et Infini,
p. 5.
15 LEVINAS, E.
Totalité et Infini,
p. 3.
16 Essa expressão é de Fabio CIARAMELLI, em
Transcendance et Ethique - Essai sur Levinas,
Bruxelles, 1989, p. 137.
17 LEVINAS, E.
Autrement qu’être...,
p. 48.