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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015

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serve de pedra de toque às antinomias nas quais nossa razão ontológica

inevitavelmente cairá e das quais não sairá ilesa, na condição de que saia

tão ilesa quanto possível a realidade para além das idiossincrasias da

razão tradicional. Em outros termos, a nenhum preço se pode esperar

a aceitação da violentação, pela linguagem, daquilo de que se fala: caso

se tenha que aceitar, que o vácuo criado seja sempre maior que o fecho

justificativo de tal violência.

A categoria fundamental da metafenomenologia aqui desenvolvida

é a Exterioridade - Alteridade - sob a forma perceptível do Olhar

5

do abso-

lutamente Outro, presença que não se circunscreve a um espaço presente e

subversão do espaço e do tempo. É através desta categoria que o acontecer

ético toma sentido. A Exterioridade em sentido levinasiano porta já a ideia

de

estranheza

, separação absoluta. O Outro é fundamentalmente um

estra-

nho

, um antirreflexo do Mesmo narcísico. A sua presença expõe todo o seu

não parentesco com o Mesmo. Esta separação, esta irredutível

externidade

do Outro é sua presença mesma. Ela reconduz à primariedade do Olhar, e

o Olhar é

de-terminação, de-finição

da Totalidade e de seus mecanismos.

III.

Como se entende, porém, nesse contexto, a categoria de To-

talidade, contraposto lógico da Exterioridade? P. Pivatto sintetiza a no-

ção de totalidade na obra levinasiana da seguinte forma: “A totalidade

é o resultado da totalização, obra da Razão e do Mesmo que envolvem

e se apropriam de toda exterioridade, de todo transcendente, mesmo a

Metafísica, segundo uma ordem, em um sistema, em uma unidade; esta

obra de apropriação progressiva, porém inelutável da Ontologia, é a obra

mesma da imanência. A totalidade é a imanência acabada: todos no tudo,

tudo no Uno, a multiplicidade na unidade original ou final”

6

. Totalidade

é, assim, a realização da dinâmica do Mesmo, a síntese final das energias

que integram o Outro a uma unidade sólida.

No sentido de ser uma síntese

final

, a Totalidade é também

finita

. A

totalidade abriga em si seu sentido finito, seu sentido ontológico, uma vez

que

ser

e

totalidade

conjugam-se em uma unidade fática: “o ser somente

5 A tradução de “visage” por “rosto”, embora correta e consagrada, nos parece no contexto imprópria, no sentido

de que pode sugerir uma determinada materialidade facilmente redutível à determinação ontológica no momento

mesmo em que se estabelece, ética e faticamente, o ponto de fuga de toda determinação ontológica. Um rosto

dá-se, em sua dignidade, à materialização como “circunscrição espacial” - isto não acontece com o “olhar”, cuja

presença é a

subversão mesma

da noção normal de espacialidade determinável.

6 PIVATTO, P. "

La relation à la transcendance dans l’oeuvre d’Emmanuel Levinas

", Paris (Tese), 1980.