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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015

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O fato é que, educados no mundo da ontologia, é-nos difícil conceber

um outro mundo onde esta não reinasse de forma absolutamente sobera-

na. A ética, que normalmente conhecemos, é secundária à

prima philoso-

phia

em que se constitui a ontologia não apenas desde Heidegger ou Tomás

de Aquino ou Aristóteles, mas sim desde que os pré-socráticos olharam

para o céu e resolveram domesticar a inefabilidade do cosmo. Aí se esta-

beleceu a raiz mais profunda da tradição filosófica ocidental, essa tradição

cujo

sentido de desenvolvimento

mais claro é a repugnância ao que não é

ela ou ao que a ela não se pode reduzir por uma dinâmica de totalização, e

cujo foco energético se desdobra em um movimento a um tempo

dialético

e

helicoidal

, que absorve e subsume hegelianamente em sua autonomia

todo e qualquer sentido e realidades cabalmente heterônomos.

Mas o infinito ético parte justamente de uma subversão, da subver-

são da ontologia

qua prima philosophia

. Levinas afirma ser a Ética a “filo-

sofia primeira” - de acordo, aliás, com uma tradição que mereceria estar

bem mais presente entre nós

3

- e que, portanto, o Infinito, sob nenhum

aspecto, perde em dignidade

ao assumir sentido originariamente ético

.

Estamos ainda, porém, muito longe de entender o significado real des-

sa subversão, mesmo nomomento emque convimos coma sua possibilidade

teórica. As realidades éticas, contrariando nossos hábitos, não costumam se

sujeitar ao voluntarismo de nossa racionalidade ontológica, pois trazem con-

sigo sua própria racionalidade,

aquela que é negada desde a primeira vez em

que o Ser se deu na guerra e declarou guerra ao não ser ontológico

.

A subversão do primado da ontologia significa, portanto, a subver-

são necessária de hábitos intelectuais milenarmente incrustados na nossa

tradição ocidental. Se à fenomenologia cumpre a descrição dos fenôme-

nos que se sucedem no revolver-se da realidade primariamente ontológi-

ca, a condição

extra ontológica

do infinito ético exige uma aproximação

de outra ordem, a saber, um aproximar-se

metafenomenológico

.

II.

Mas em que poderia consistir a “metafenomenologia” proposta?

Ela surge a partir justamente de uma ambiguidade, aquela ambiguidade

Desagregação – sobre as fronteiras do pensamento e suas alternativas

, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. Para evitar

sobrecarregar o texto com citações, essas serão as mínimas possíveis. Referências bibliográficas ao fim do texto.

3 Cf. MATE, Reyes.

Memoria de Occidente – Actualidad de pensadores judíos olvidados

, Barcelona: Anthropos

Editorial, 1997; SOUZA, R. T.

Existência em Decisão – uma introdução ao pensamento de Franz Rosenzweig,

São

Paulo: Perspectiva, 1999; BOURETZ, Pierre.

Testemunhas do futuro – filosofia e messianismo

, São Paulo: Perspec-

tiva, 2012, entre outros.