

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 88 - 104, jan - fev. 2015
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perigosa que repousa no fato de que se falará de algo que, no sentido
mais radical,
não se curva a uma linguagem ontologizante, pois traz con-
sigo sua linguagem própria em sentido estrito
. Essa linguagem não é de-
cifrável, pois não é cifrada; ela não se abre em um sentido discursivo, não
se resolve em seu desmembramento lógico nem sobrevive às reduções
que a banalizam em um mosaico sujeito a experiências e deduções cog-
nitivas “neutralizantes”. A modalidade como essa linguagem se oferece é
fundamentalmente
não neutra
, não equilibrada por sua própria natureza:
é o desequilíbrio mesmo da equação linguística que tem no verbo «ser»
seu fulcro fundamental. Em outras palavras, e apesar de toda a tradição,
o Ser “não se acha” nela,
não se encontra
em sua falta de consistência
ontológica, em sua falta de “espessura de ser”
4
. Essa linguagem é ética,
não secundária às predeterminações da ontologia soberana, mas primá-
ria em relação a si mesma, em sua lei própria, heterônoma em relação à
autonomia do ser soberano.
Estamos já neste ponto no seio da ambiguidade: propomo-nos a
relatar alguns elementos desta experiência ética fundamental
apesar
do
acima exposto. A linguagem - a metafenomenologia a ser utilizada - re-
cuará a cada momento, quando se chocar com a obviedade de sua in-
suficiência. Ela não se esconderá por detrás de sua incompetência, mas
deverá, por via desta incompetência mesma, deixar espaço para que a
competente realidade heterônoma – a Alteridade – referida seja sugerida
com o máximo vigor.
A fixação de categorias - cuja provisoriedade é decretada
a priori
pela sua inadequação original ao tema de que tratam, conforme acima
exposto - faz-se necessária para que a inteligibilidade das sugestões éticas
possa brotar no universo linguístico em questão. Também em um esboço
metafenomenológico, “ruim com categorias filosóficas de compreensão,
pior sem elas”. À insuficiência real de conceitos ocasionada pelo sentido
extraordinário da realidade ética que se dá não corresponde necessaria-
mente uma flacidez da teia conceitual e um relativismo contraproducente
do sentido primacial da metafenomenologia: esta não pode perder, em
nenhum passo, a sua pretensão de radicalidade, ou seja, de mergulhar até
as raízes do possível.
É nesse sentido que a metafenomenologia se funda em uma
categoria, em uma referência fundamental que em muitos momentos
4 Esta expressão se deve a Luiz Carlos Susin.