

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
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do Estado): sendo uma disputa entre pretensões privadas, resolve-se me-
diante meios que as próprias partes encontram como disponíveis, como a
autodeclaração de culpabilidade. A questão que adquire importância resi-
de na circunstância de que não se trata apenas de encontrar uma espécie
de aderência desta ou daquela categoria a um modelo idealizado. Trata-
-se, isto sim, de encontrar as nuances que tais categorias desenvolvem
num determinado contexto político. É desta forma pelo menos que Kagan
poderá afirmar que o legalismo adversarial norte-americano trará como
principais consequências uma grande punitividade, volatilidade política,
maleabilidade e inconsistência
17
. E, igualmente, a adaptação do
plea bar-
gaining
como meio por excelência de resolução de conflitos – registre-se a
sua franca expansão junto ao “sistema continental” – encontra campo fér-
til em sistemas aparentemente dotados de maior rigidez quanto à forma,
supostamente imantados por uma aura que lhe permitiria angariar, junto
a pesquisadores de direito comparado, se tratar de um processo que bus-
ca atingir a “verdade real” (
truth seeking procedure
). O que se pode afir-
mar é que existe, como demonstra qualquer pesquisa séria sobre a am-
pliação de zonas consensuais acerca do processo penal, uma justaposição
entre as distintas culturas jurídicas, que se movimentam e entrecruzam
performaticamente: desde a política de encarceramento norte-americano
à suas teorias sobre as exclusões probatórias. O resultado é o de que os
modelos idealizados por Damaska são, a partir da estrutura processual
penal brasileira, formas processuais legitimamente aceitáveis, tendo em
vista a indistinção entre política e jurídico.
Não se quer aqui advogar a tese de que Damaska seria um legiti-
mador de estratégias autoritárias. A uma, porque nem de longe foi sua
ideia. A duas, porque, como pesquisador de direito comparado, está mais
preocupado com a constituição de ferramentas metodológicas a fim de
permitir o estudo dos diversos segmentos processuais. Entretanto, ao que
parece, a sua impensada adaptação ao campo do processo penal, no Bra-
sil, deve ser lida
cum granus salis
.
Colocar-se-á mais uma categoria sobre os holofotes da distinção de
Damaska. Se, por um lado, o
plea bargaining
- aparentemente um ins-
tituto voltado para um modelo coordenado de processo em um Estado
reativo - se transformou em importante instrumento de ampliação de zo-
nas de expansão do poder punitivo (abandono de garantias em prol de
17 KAGAN, Robert.
Adversarial Legalism:
the american way of law.
Cambridge: Harvard University Press, 2001. p. 61.