

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
382
Notadamente, se tomarmos em consideração as críticas que fazem
terra arrasada sobre os sistemas processuais penais, a exemplo de Mon-
tero Aroca, se perceberá ali o nascedouro não apenas de uma mera crise
imputada às categorias, mas, sobretudo, uma prática ainda mais centrada
sobre o aspecto político que concerne ao processo penal. Para Montero
Aroca
5
, falar-se em processo penal corresponde a um pleonasmo. Para
o autor, processo inquisitório não é processo. Seu posicionamento se
assemelha ao de Manzini
6
, para quem o processo penal é um processo
de parte única. Explica-se. Se não é possível falar-se de processo a não
ser o acusatório, Montero Aroca esquece-se das práticas punitivas que
constituem os mecanismos operacionais do sistema de punição. Ao que
parece, deixar para denominar de processo apenas aquele regido sob as
vestes do sistema acusatório mantém íntimas relações com o pensamen-
to de Manzini, apesar da aparente contradição entre eles: a) em ambos
os casos se está a fazer tábula rasa de todas as práticas constitutivas do
sistema punitivo, isentando-as de participarem da categoria processo. Se,
por um lado, a princípio, se está a requerer maior rigor para que a ca-
tegoria processo esteja perfectibilizada, tal postura possui o condão de
justificar a sempiterna prática disforme protagonizada pelo sistema pu-
nitivo, fazendo do processo (obrigatoriamente acusatório) mero ideário
a ser cultivado, sem grandes implicâncias sobre a realidade operativa da
estrutura processual penal de um determinado país; b) torna a temática
dos sistemas processuais necessariamente contrafática, transformando
os ajustes constantes entre a irracionalidade do poder punitivo
7
meros
acoplamentos estruturais entre política criminal e teoria da pena. Resul-
tado: o processo penal se torna uma ferramenta de política criminal
8
res-
ponsável por uma prevenção-integração. Algo que deve ser no mínimo
contestável; c) a posição de Aroca se assemelha novamente a de Manzini
quando invoca o anacronismo dos sistemas processuais. Perceba-se ni-
tidamente que a tentativa de regular o passado, parafraseando Orwell,
é uma das constantes de todo pensamento autoritário; d) a posição de
Montero Aroca se avizinha, novamente, a de Manzini, pois trata de na-
5MONTEROAROCA, Juan.
Princípios del Proceso Penal:
una explicación basada en la razón
. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997.
6 MANZINI, Vincenzo.
Tratado de Derecho Procesal Penal
. t. I. Trad. de Santiago Sentís Melendo y Marino Ayerra
Redín. Buenos Aires: El Foro, 1996.
7 ZAFFARONI, Eugenio Raúl.
Em Busca das Penas Perdidas
: a perda da legitimidade do sistema penal. Trad. de Vânia
Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
8 Cf. FERNANDES, Fernando.
O Processo Penal Como Instrumento de Política Criminal.
Lisboa: Almedina, 2001.