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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 376 - 377, jan - fev. 2015

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dizer que a tendência a ver um afeto como particular e natural perde de

vista o caráter social de sua constituição. Os afetos são aprendidos, fazem

parte de processos de cognição e formação subjetiva. Aquele que experi-

mentou amor responde com amor, aquele que experimentou o ódio res-

ponde com ódio.

Deste modo, não podemos falar da origem cronológica de um afe-

to. O ódio não é implantado como um chip em uma pessoa e não se ex-

plica por uma “personalidade” naturalmente odienta por oposição a uma

“personalidade” naturalmente amorosa. A compreensão do ódio torna-

-se possível se ficarmos atentos ao caráter genealógico da experiência

do ódio. O ódio não é uma substância presente em algumas pessoas por

oposição a outras, mas um afeto que se constitui na experiência partilha-

da com outros. “Como alguém pode ser tomado pelo “ódio”? É questão

que se explica tendo em vista o caráter próprio às emoções, o de serem

estranhamente contagiosas.

Quando falamos em afeto, falamos do que “nos toca”, daquilo que

nos diz respeito, que nos concerne. O que “nos toca” refere-se ao que

é, de algum modo, percebido, por ser comunicado, por ser transmitido.

Trata-se daquilo que é partilhado, mas não apenas de “cima para baixo”,

como se tivéssemos, no caso do ódio, recebido a ordem, consciente ou

inconsciente, de senti-lo e nos expressarmos em seu nome.

Se pensarmos nos discursos de incitação à violência – uma das for-

mas expressivas do ódio - veremos que ela é transmitida de cima para

baixo, como numa engrenagem acionada de fora. Líderes políticos, publi-

citários, jornalísticos e todos os que detém o discurso, podem ligar esta

máquina incitando ao ódio. Mas o elemento “vertical” que liga a máquina

movida pelo ódio não é suficiente para sustentá-lo, de modo que, para

que o ódio persista, sua experiência precisa afirmar-se “horizontalmente”,

ou seja, precisa ser partilhada com os pares, com os outros que contri-

buem para a manutenção da máquina, que, pelo fomento do ódio ao ou-

tro, transforma a todos em fascistas.

Assim, cada um é engrenagem da grande máquina de produzir fas-

cistas alimentada com o combustível do ódio. Parar esta engrenagem só

será possível para aquele que aprender que outro mundo, além dessa

emoção perversa, é possível.

A interrupção do funcionamento da máquina depende dessa po-

tência até agora esquecida.