

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
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Todas essas hipóteses que acenariam com a inidoneidade das ca-
tegorias pertencentes aos sistemas processuais penais projetam um ví-
rus destrutivo não apenas para a teoria jurídica do processo penal, mas
também para o potencial político que os sistemas processuais introduzem
como válvula de escape e como pano de fundo para a constituição das
garantias processuais.
Evidentemente que as caracterizações comumente atribuídas aos
sistemas acusatório e inquisitório, atemporalizadas pela cristalização de
tipos ideais, é insuficiente para atender a determinadas funções a serem
exercidas pelo processo penal contemporâneo. Com efeito, acerta a críti-
ca quando afirma não ser mais possível apresentar os sistemas processu-
ais penais como um conjunto portador de características positivadas, em
regime de oposição. Assim é que se apresentam elementos que atribuem
ao sistema acusatório características apresentadas de maneira manique-
ísta relativamente ao sistema inquisitório: afirma-se que o acusatório
constitui-se como um sistema que privilegia a oralidade em detrimento da
escritura; que vislumbra a publicidade em relação ao segredo; que pres-
supõe a existência de coisa julgada e de recursos; que exige a separação
das funções acusadoras e julgadoras (
ne procedat ex officio
). O sistema
inquisitório seria o anverso deste esquema (e cujos elementos distintivos
encontrariam muitas outras características além destas citadas).
Um primeiro exemplo dessa modalização dos sistemas processu-
ais penais através do recurso a modelos heurísticos é a apresentação da
teoria do garantismo penal
3
. Ferrajoli, ao descrever o sistema garantis-
ta ideal, recorta diversas características do modelo acusatório, opondo,
como espécies antitéticas, os regimes de sistema penal máximo e mínimo.
Apesar de se tratar de um modelo teórico muito mais sofisticado do que
aqueles que resumem o sistema acusatório a uma mera separação entre
as atividades de acusação e julgamento, o garantismo padece de alguns
dos problemas acima apresentados. Registre-se que o garantismo não de-
posita sua conformação apenas como um sistema de controle corretivo
de ilegalidades mediante o confronto entre o tipo-ideal e as normas com-
ponentes de determinado ordenamento jurídico-processual. Tem como
vetores que devem ser elogiados a construção de uma epistemologia
(garantista) bem como certa inserção no campo político, quando se volta
para a discussão entre democracia formal e material. Sem prejuízo desses
3 FERRAJOLI, Luigi.
Derecho y Razón: teoria del garantismo penal
. Madrid: Trotta, 2004.