

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 56 - 85, jul. - set. 2016
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resolver lides referentes à partilha patrimonial no direito de família, quan-
do um dos cônjuges ou companheiros, com a intenção de fraudar a futura
divisão de bens em relação ao outro membro do casal, realiza transferên-
cias patrimoniais para a pessoa jurídica
48
. A aceitação da aplicação desta
modalidade de
disregard doctrine
já havia sido consagrada nas Jornadas
de Direito Civil, que, por meio do enunciado nº 283, concluiu que: “
é ca-
bível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa”
para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar
ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”
.
6. Considerações finais
O presente ensaio foi elaborado com o único escopo de proporcio-
nar de desenhar, de forma sintética, a trajetória percorrida pela teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, desde o seu surgimento no
contexto do sistema jurídico anglo-saxão, verificando a sua recepção pelo
direito interno, e projetando a expectativa sobre a recepção da normatiza-
ção trazida pela nova codificação processual, preocupada com a aplicação
justa da ampliação da responsabilidade para além dos tradicionais limites
de comprometimento patrimonial da pessoa jurídica.
Cumprido o percurso, podemos identificar a presença de três gran-
des momentos que compõem a
história
da teoria da desconsideração no
cenário jurídico brasileiro: (a) a fase da recepção pretoriana; (b) a fase da
positivação, e (c) a fase do processo justo.
48 No âmbito do Direito de Família, o STJ já decidiu pela aplicação da teoria da desconsideração inversa:
“Direito
Civil. Recurso especial. Ação de dissolução de união estável. Desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Possibilidade. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Legitimidade ativa. Companheiro lesado pela conduta
do sócio. Artigo analisado: 50 DO CC/02. 1. Ação de dissolução de união estável ajuizada em 14.12.2009, da qual foi
extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 08.11.2011. 2. Discute-se se a regra contida no art. 50
do CC/02 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica e se o sócio da sociedade empresária pode
requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta. 3. A desconsideração inversa da personalidade jurídica
caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade para, contrariamente do que ocorre na
desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a
responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. 4. É possível a desconsideração inversa da per-
sonalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada,
ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade
afetiva. 5. Alterar o decidido no acórdão recorrido, quanto à ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito
por parte do sócio majoritário, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula
7/STJ. 6. Se as instâncias ordinárias concluem pela existência de manobras arquitetadas para fraudar a partilha, a
legitimidade para requerer a desconsideração só pode ser daquele que foi lesado por essas manobras, ou seja, do
outro cônjuge ou companheiro, sendo irrelevante o fato deste ser sócio da empresa. 7. Negado provimento ao recur-
so especial
” – REsp nº 1.236.916/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 28.10.2013.