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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 56 - 85, jul. - set. 2016

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Defesa do Consumidor representar norma

de ordem pública e interesse

social

(art. 1º). Na oportunidade em que a legislação consumerista regula

a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28), há indica-

ção expressa no sentido de que

“o juiz poderá aplicar a teoria”

. De tudo,

há que se concluir que na efetivação da desconsideração da personalida-

de jurídica nas demandas fundadas na defesa dos direitos do consumidor

o juiz poderá instaurar

ex officio

o incidente de desconsideração, tornado

despicienda a necessidade de postulação do interessado ou do represen-

tante do Ministério Público

45

. Seguindo-se a lição de Luis Alberto Reichelt

“do ponto de vista hermenêutico, tem-se que, na dúvida entre duas ou

mais interpretações resultantes do contraste entre o Código de Defesa do

Consumidor e o projeto de novo Código de Processo Civil, impõe-se seja

sempre adotada aquela que permita ao consumidor obter resultados mais

satisfatórios ao seu interesse, sendo vedado o retrocesso”

46

.

Também é interessante destacar que a nova codificação processual

faz referência expressa à chamada desconsideração inversa da personali-

dade jurídica, que representa derivação da noção tradicional da

disregard

doctrine

, e que tem alcançado projeção nos últimos tempos. Como a ex-

pressão já indica de plano, nessa hipótese, o ente personificado é utili-

zado de forma abusiva para acobertar bens e direitos pessoais de seus

sócios

47

– visíveis ou ocultos – sendo utilizada com mais intensidade para

45 Neste sentido é a orientação encontrada de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,

argumentando: "o incidente de desconsideração da personalidade jurídica depende, em regra, de pedido da parte

interessada ou do Ministério Público, quando esse participe do processo. Pode o legislador expressamente excep-

cionar a necessidade de requerimento para tanto – como o faz, por exemplo, o art. 28, do CDC” –

Curso de Processo

Civil

, v. 2, São Paulo: RT, 2015, p. 106.

46 "A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo Código de Processo Civil e a efetividade da

tutela jurisdicional do consumidor",

op. cit.,

p. 247.

47 Sobre a aplicação da teoria da desconsideração inversa há interessante precedente do STJ: Desconsideração inver-

sa. Execução.

Ação oposta contra sócio administrador, em que se constata a aquisição de bens de uso particular pela

empresa administrada. Finalidade da

disregard doctrine

que é a de combater a utilização indevida do ente societário

por seus sócios. Interpretação teleológica do CC 50. (...) iii. A desconsideração inversa da personalidade jurídica carac-

teriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsi-

deração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar

a pessoa jurídica por obrigação do sócio controlador. iv. Considerando-se que a finalidade da

disregard doctrine

é

combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio

controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleo-

lógica do CC 50, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir os bens da socieda-

de em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. v. A

desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é reconhecida

quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no

CC 50. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução,

‘levantar o véu’ da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa. vi. A luz das provas

produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela

ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua em-

presa para adquirir bens de uso particular”

– STJ, 3ª t., REsp. 948117-MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 22.06.2010.