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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 66, p. 9 - 15, set - dez. 2014
Da Análise da Culpabilidade
no Delito de Tráfico Ilícito de
Entorpecentes
Afonso Henrique Castrioto Botelho
Juiz de Direito do TJ/RJ
O tráfico de drogas, mazela social de primeira grandeza e carro-che-
fe de todas as Varas Criminais do Estado do Rio de Janeiro, é, na atualidade,
uma das atividades mais rentáveis e mais nefastas que há. Notadamente,
o tráfico de cloridrato de cocaína, produto mais caro, mais viciante, mais
destrutivo e de mais fácil transporte - em razão de seu pequeno volume
e também por ser inodoro. Em determinadas localidades do Estado, uma
única cápsula, comprada a R$ 3,00 na origem, chega a ser vendida por R$
50,00 ao consumidor final. Difícil imaginar “negócio” mais rendoso.
Tarefa de complexidade ainda maior do que combater o tráfico ilí-
cito de entorpecentes é explicá-lo sob o enfoque da criminalidade. O
perfil do pequeno traficante é, muitas vezes, intrigante. Jovens de classe
média-baixa, mas com alguma escolaridade e aptidão profissional, sem
alterações na folha penal e incapazes de cometer um ato violento. Sob
a luz das teorias que justificam a criminalidade, não há o que explique o
desvio de seus caminhos.
Não se pode pensar na chamada teoria ecológica
1
com vistas a
explicar a epidemia. Ao menos, não isoladamente. O meio social no qual
está inserido o indivíduo, muitas vezes não é determinante para que
seja ele contaminado. Da mesma forma como, em comunidades domi-
nadas pelo tráfico, há indivíduos imunes à contaminação, em outras so-
ciedades onde o tráfico praticamente inexiste ocorrem episódios de co-
mércio ilícito, ainda que de forma isolada. As quadrilhas especializadas
na venda de drogas sintéticas normalmente vivem na várzea e são filhas
da classe média-alta.
1 Teoria criada em 1982 no Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago.